O governo decidiu manter por mais dois anos uma das maiores metas de inflação do mundo – 4,5% com margem de tolerância de 2 pontos para mais ou para menos, na prática, apenas para mais, porque nada permite prever um combate mais sério à alta de preços. Com essa decisão, o governo indicou ao mercado a continuação de uma política frouxa. Fortaleceu, mais uma vez, portanto, a expectativa inflacionária. Não há tolerância à inflação, tem repetido a presidente Dilma Rousseff, mas os fatos desmentem seguidamente suas palavras. Como o Executivo continuará tolerante, o Banco Central (BC) será o responsável, como tem sido, por qualquer esforço real de estabilização dos preços. Abandonado por quase dois anos, esse esforço foi retomado, recentemente, com dois aumentos de juros. Consultores e especialistas do setor financeiro, no entanto, continuam projetando números bem acima da meta para este ano e para o próximo. É preciso fazer muito mais para mudar a expectativa.
A meta de 4,5% começou a valer há oito anos, inicialmente com margem de 2,5 pontos, reduzida para 2 pontos a partir de 2006. A decisão de estendê-la até 2015 amplia a divergência entre a política brasileira e as estratégias seguidas em países com melhor desempenho econômico. Outros países latino-americanos têm crescido mais com inflação menor e anunciaram há alguns meses metas mais baixas para a alta de preços. Inflação elevada mais atrapalha do que favorece o crescimento, como tem sido lembrado em documentos do BC. Outros governos partilham dessa percepção. Em Brasília, parece ainda predominar a tese oposta, embora o País atravesse o terceiro ano consecutivo de preços em alta com crescimento abaixo de medíocre.
Economistas do setor privado continuam elevando as projeções de inflação. As últimas estimativas apontam 5,87% para este ano e 5,88% para o próximo, segundo a pesquisa Focus, do BC, divulgada nessa segunda-feira. De acordo com a mesma pesquisa, os especialistas preveem para a taxa básica de juros um nível médio de 8,25% em 2012. Para o final do ano está prevista uma taxa de 9,25%. Os juros básicos, atualmente de 8%, devem, portanto, continuar em alta, mas sem derrubar a inflação em 2012 e 2013.
O pessimismo do mercado é justificável. Juros básicos mais altos podem ter algum efeito sobre os preços, mas ele tende a ser limitado, quando outros componentes da política alimentam generosamente a demanda. A política fiscal continua expansionista, embora o governo continue prometendo ajustar as contas públicas às metas anunciadas. A maioria dos esforços, no entanto, é voltada para outros fins.
O governo tenta manter os incentivos fiscais ao consumo e o crédito farto, impulsionado principalmente pelos bancos oficiais. Em mais uma demonstração de teimosia, as autoridades insistem nessa linha de ação, apesar do resultado pífio alcançado até agora. Ao mesmo tempo, o ministro da Fazenda e seus auxiliares se empenham na descoberta de truques contáveis para maquiar as contas públicas e disfarçar a continuada piora das finanças federais.
O IPCA aumentou 6,5% em 12 meses e bateu de novo no limite de tolerância. De janeiro a maio subiu 2,88%. Só chegará a 4,5% se aumentar mensalmente 0,2% nos sete meses de junho a dezembro. Se o aumento médio ficar em 0,3%, já abaixo do padrão dos cinco meses anteriores, o resultado final será 5,06%. Essa projeção embute um considerável otimismo.
Mesmo assim o ministro da Fazenda poderá anunciar mais uma ano de vitória no combate à inflação. Ele costuma falar sobre o assunto como se a meta fosse qualquer ponto até o limite de 6,5%. Oficialmente, é 4.,5%. O resto é margem de tolerância, criada para acomodar problemas especiais. No caso brasileiro, no entanto, o problema especial é o próprio governo, incapaz tanto de promover o crescimento e a modernização da economia quanto a estabilização dos preços. Sem querer, o próprio governo reconhece a sua incapacidade, ao manter por tantos anos uma das metas mais altas do mundo.
Fonte: O Estado de São Paulo
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