Editorial do jornal “Estado de S. Paulo” critica o tom de “palanque” utilizado por Lula no G-20 e defende que o crescimento econômico brasileiro dos últimos 15 anos é legado da política econômica de FHC e do Plano Real.
Leia na íntegra:
“No encerramento da reunião do G-20 em Seul, na semana passada, o presidente Lula travestiu-se mais uma vez de líder “progressista” que flerta com a ideia do capitalismo estatal, ao explicar aos principais governantes mundiais que só um Estado “forte” tem condições de promover o desenvolvimento. E deu como exemplo seu próprio governo, que foi capaz de tirar o Brasil da crise internacional no prazo recorde de “seis meses”: “Na crise de 2008, todos os países que tomaram medidas anticíclicas e que assumiram a responsabilidade de serem os indutores da economia colheram bons resultados” e esse foi o caso do Brasil, graças à “decisão do governo de fortalecer o mercado interno como base do desenvolvimento.”
Talvez por estar escoltando, nessa sua última participação como chefe de Estado numa cúpula mundial, a sucessora que escolheu e elegeu, Lula sentiu-se à vontade para manter o tom palanqueiro, embora a plateia devesse estar interessada em questões mais importantes. Retomando uma de suas mistificações prediletas, garantiu que não ocorrerá com Dilma Rousseff o mesmo que aconteceu com ele próprio oito anos atrás: “O Obama recebeu uma herança maldita, que foi uma crise financeira sem precedentes, e eu recebi uma herança maldita, que foi um país andando para trás.” Quando baixa o barão de Munchausen, ninguém segura nosso presidente!
Não é por causa de um “Estado forte” que a economia brasileira tem tido um excelente desempenho nos últimos 15 anos, desde a estabilização propiciada pelo Plano Real. O Estado brasileiro atual não é mais “forte” do que sempre foi durante, pelo menos, todo o período republicano, especialmente levando em conta que desde então sofremos dois interregnos autocráticos. Os avanços que podem ser comemorados nos dois mandatosde Lula se devem, basicamente, à sensatez e à firmeza que Antonio Palocci e Henrique Meirelles, com apoio do presidente, é verdade, aplicaram na condução da economia e das finanças nacionais a partir dos fundamentos estabelecidos nas administrações anteriores – de Itamar Franco e de Fernando Henrique Cardoso.
Consequentemente, a verdade que o lulo-petismo insiste em negar é que o surto de prosperidade que no momento beneficia a população – do qual Lula tem todo o direito de se vangloriar – deve-se à herança de competente administração da economia. Decididamente, ele não teve de reverter uma “herança maldita”. Na verdade, o que pode vir a se tornar uma herança muito mais que maldita é a situaçãode crescente descontrole das contas públicas que Dilma Rousseff vai receber, agravada pela gastança irresponsável de um fim de mandato marcado pela obsessão com que Lula se empenhou em elegê-la. Além disso, hoje a conjuntura econômica internacional é muito mais desfavorável, complexa e difícildo que aquela com que Lula teve a sorte de ser bafejado nos seis primeiros anos de sua administração, e que contribuiu para alavancar o bom desempenho da economia brasileira.
Como declarou recentemente o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, de tanto repetir suas mistificações Lula aparentemente passou a acreditar nelas. É possível. E certamente a nostalgiado poder, que costuma ser impiedosa com os “patos mancos” – a deliciosa expressão norte-americana para o mandatário cujo sucessor já está escolhido -, só faz agravar o surto de megalomania que aumenta na medida em que esfria o cafezinho servido no quarto andar do Palácio do Planalto. Quer dizer: Lula vai continuar insistindo.
Para que a memória do País não fique contaminada pela falta de memória donosso “pato manco”, convém lembrar alguns fatos que criaram condições paraque chegássemos onde estamos: a eleiçãode Tancredo Neves em 1985, queenterrou a ditadura militar; a Constituição de 1988, que deu importantecontribuição para a modernização institucional; a derrubada da inflação comoPlano Real; a Lei de Responsabilidade Fiscal; a criação do Proer; a criaçãodas agências reguladoras; as privatizações, especialmente da telefonia, daVale, da Embraer, etc.
Lula e o PT foram contra tudo isso”.
Publicado em 17/11/10
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