Ficou, enfim, claro por que a embaixada brasileira em Washington, posto mais importante da diplomacia brasileira no exterior, está há meses sem titular. O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem que pretende indicar ao posto o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro.
Era primeiro preciso esperar que o indicado completasse a idade mínima de 35 anos, exigida dos embaixadores. Eduardo fez 35 na última quarta-feira e já declarou que estaria disposto a renunciar ao mandato para aceitar a indicação.
Embora o presidente da República tenha o direito de nomear quem quiser para o cargo, respeitadas as restrições constitucionais, a indicação do próprio filho enfrentará obstáculos. Pelo menos quatro motivos deverão ser levantados pelos senadores para tentar rejeitá-la, na sabatina a que Eduardo deverá ser submetido obrigatoriamente.
Primeiro, o mais óbvio: nepotismo. Não se trata apenas de uma questão jurídica. A lei é suficientemente ambígua, e o Supremo Tribunal Federal (STF), suficientemente omisso, para que seja possível encontrar juristas dispostos a interpretá-la em favor da nomeação. A questão, porém, transcende o aspecto legal.
Bolsonaro foi eleito como caudatário de um movimento anticorrupção que tomou as ruas do país desde o governo Dilma Rousseff. Para um político, nada cheira tanto a corrupção quanto envolver os próprios familiares nos negócios de estado. Mesmo que Eduardo fosse o profissional mais qualificado, esse tipo de indicação deveria ser evitada, em nome dos próprios valores que seu pai proclamou para conquistar o voto dos brasileiros. O eleitor que votou nele se sentirá traído.
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O segundo motivo é a desqualificação de Eduardo para o posto. Questionado sobre o assunto, apresentou duas credenciais: falar inglês e espanhol e ter sido o deputado mais votado na história do Brasil. Falar inglês e espanhol são qualificações ao alcance de qualquer criança bem educada. Votos e popularidade nada têm a ver com diplomacia.
Eduardo, é verdade, pode mostrar mais. Preside a Comissão de Relações Exteriores da Câmara, fez várias viagens ao exterior com o pai e se apresenta como parlamentar afeito a questões internacionais.
Nada disso, contudo, o qualifica. Um embaixador precisa conhecer a fundo as relações políticas e comerciais entre os dois países, ter experiência em negociações e na administração de contenciosos. No caso americano, em que está na mesa uma proposta de acordo de livre-comércio, também precisaria ter intimidade com as demandas da indústria e do agronegócio.
Uma equipe qualificada poderia suprir tais deficiências. Dificilmente, contudo, teria efeito diante dos demais motivos que serão apresentados para tentar rejeitar o nome de Eduardo.
O terceiro é sua ideologia. Eduardo é próximo dos movimentos da direita nacionalista e não perde nenhuma oportunidade de manifestar apreço por líderes como Donald Trump, Matteo Salvini ou Viktor Orbán. Diz-se amigo dos filhos de Trump e, na visita de Bolsonaro aos Estados Unidos, foi o único presente ao encontro fechado dos dois. É frequentemente considerado “chanceler de fato”, tamanha sua influência sobre o ministro Ernesto Araújo e seu comando da ala ideológica que cerca Bolsonaro.
Só que ideologia e diplomacia não combinam. O terreno diplomático é o palco em que as convicções devem ceder ao pragmatismo. Isso é ainda mais relevante num posto estratégico, num país como os Estados Unidos, bem maior e mais plural que Trump (rejeitado, de resto, por mais da metade da população).
Os interesses brasileiros se estendem por estados como Nova York, Califórnia ou Massachusetts. São locais onde a presença dominante é dos democratas. Como encararão Eduardo, filho do presidente, tão próximo da Casa Branca, tão alinhado com uma política externa que poderá mudar se Trump perder a eleição no ano que vem?
Fonte: “G1”