O mundo, que já andava estranho, parece ter se transformado em um filme de ficção científica distópica. A habitual polarização das redes sociais se aqueceu, com mais teorias conspiratórias, conflitos ocorrendo mesmo dentro do mesmo campo político, inclusive sobre se o coronavírus seria uma manobra ardilosa para evitar o sucesso pleno das manifestações contra o Congresso. Para piorar, vivemos agora um triste confinamento em casa.
No entanto, terminado esse período de restrições e de uso intensivo de comunicação virtual, precisaremos olhar de frente nossos desafios mais persistentes, entre eles o da educação. Como demonstra o Relatório Anual de Acompanhamento do Educação Já, divulgado na semana passada, ainda temos problemas de acesso à escola, especialmente entre os jovens de 15 a 17 anos. Mas, de acordo com o texto, o principal problema é o de aprendizagem, sobretudo, no ensino médio. Apenas 29,1% saem do 3º ano com aprendizagem adequada em português e 9,1% em matemática. Os resultados do Pisa apenas confirmam esses dados, colocando-nos entre os últimos lugares no ranking internacional.
Nesse contexto, é preocupante o cenário pós-coronavirus nas escolas. Se a aprendizagem hoje é tão insuficiente, como irá ficar com poucos dias de aula neste ano? Nesse sentido, foi oportuna a sugestão de criação de um comitê operativo de emergência pelo MEC, envolvendo o Consed (Conselho de Secretários de Educação) e a Undime (União dos Dirigentes Municipais de Educação), para coordenar a ação nas escolas e analisar a possibilidade de educação a distância, mais recentemente denominada de aprendizagem remota.
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Vários países afetados estão trabalhando nessa direção. Participei no sábado (14) de uma interessante discussão virtual, coordenada a partir da Austrália, em que educadores compartilharam suas estratégias de continuidade da aprendizagem em contexto de crise.
O Unicef também acumulou um grande aprendizado nesse sentido, com educação por rádio de crianças e jovens em campos de refugiados e de meninas privadas de acesso a escolas no Afeganistão.
Mas algo já começa a se esboçar por aqui também. A Secretaria da Educação do Estado de São Paulo saiu na frente e propôs um aplicativo que pode ser usado pelos alunos em casa, com eventual apoio de empresas de telecomunicações. Alguns municípios preparam cadernos em papel com tarefas que possam ser feitas em casa durante a suspensão das aulas.
O que não podemos é relaxar com o processo de transformação da educação brasileira. Temos um país para construir, e nem o coronavírus nem o obscurantismo devem impedir que isso ocorra.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 20/3/2020