Adolfo Sachsida publicou um texto muito interessante em seu blog. Reproduzo um trecho revelador:
“… certa vez durante um seminário um ouvinte interrompeu o palestrante e ao invés de fazer a pergunta fazia um discurso. Eu, como coordenador do seminário, disse que teríamos prazer em ouvir o seminário do rapaz outra dia, mas que no momento ele deveria fazer logo sua pergunta e permitir que o seminário continuasse. O mal-estar foi geral, e, ao invés de ficarem revoltados com o proselitismo do rapaz, fui repreendido por ser grosseiro.”
Meu colega Sachsida tem razão e não está sozinho. Digo mais: nem foi grosseiro, nem mal-educado. Trata-se do mesmo problema daquele sujeito que entra no zoológico e diz que pode jogar pipoca para o gorila porque… ele paga impostos. Aliás, o argumento é similar ao que podemos inferir de uma terceira história, na qual o sujeito vai a um debate científico e se horroriza quando o comentarista critica o apresentador educadamente. Para ele, é “grosseria” criticar um artigo científico.
Trata-se de um exemplo para o verbete “surreal”? Não, isto é reflexo de um problema maior chamado “qualidade da educação”. Trata-se de um problema que, a cada dia, é apontado por mais e mais especialistas da área. É uma questão cultural? Depende do que você chama de cultura. Ainda me lembro da época em que nos levantávamos no início da aula, no colégio, e cumprimentávamos o professor. Ainda é assim, por exemplo, no Japão, com toda sua juventude exótica. No Brasil, contudo, nada poderia lembrar uma sala de aula na qual os alunos estudam e os professores ensinam.
Por algum tempo, gente mal-intencionada se aproveitou de (bem-intencionados ou ingênuos) pedagogos e jogou fora a educação tradicional, trocando-a por um difuso, confuso e impreciso discurso do “tudo pelo social”, no qual se usa incorretamente o termo “liberdade” para dar ao aluno o “direito” de não estudar. Esse ensino gera, a cada ano, hordas de brasileiros que não sabem somar, subtrair, multiplicar, dividir e, claro, pensam que raiz quadrada é planta de arquiteto.
Por que aprender história quando se pode contar uma única versão ideológica da mesma, como se a história fosse sinônimo de visão da história? Português? Matemática? Geografia? Biologia? Nada disso é entregue. Aos pais que têm menos tempo para criarem seus filhos porque a mulher se libertou da vida doméstica e hoje ajuda a enriquecer o lar (ainda bem!), a escola promete entregar “cidadãos conscientes”. Gente que é capaz de falar meia hora sobre o meio ambiente, mas que não consegue enxergar a lógica de uma abstração científica simples como é a dos números reais e suas operações básicas. O resultado? Pais pagam — no caso das escolas privadas — para criarem indivíduos incapazes de assumir o desenvolvimento do país, mas que adoram ir a debates, colóquios e passeatas. Se eu fosse um desses pais, abriria um processo no Procon…
Não que seminários e passeatas não sejam louváveis, mas não é bem isso que os pais pretendiam quando colocaram os filhos na escola. Digo, alguns deles não queriam isso, mas há também pais que não se importam muito com a educação dos filhos. E esses estão em todas as classes sociais. Os pobres não possuem conhecimento científico e se envergonham em cobrar do professor mais matemática e português e menos lero-lero no caderno de seus filhos. Na outra ponta, a elite brasileira, velha conhecida dos milhares de tratados sociológicos, continua achando que, se pagar, pode jogar pipoca para o macaco. É a típica elite caipira que se encanta com o liberalismo clássico de Hayek ou Benjamin Constant, Adam Smith, Locke e afins, mas que não quer estudar a realidade do seu país. No máximo, lê fichas de resumo de livros destes autores, cita algumas frases marcantes e, claro, quer muito que todos assumam seus papéis na sociedade, desde que não lhe seja preciso levantar o traseiro da cadeira. Para eles, liberdade é, como diria Henfil, beijar a bunda do guarda desde que o guarda não tenha o direito de reagir (exceto se o beijoqueiro não for membro da “elite”).
Eis os pais e os filhos do futuro deste país. Em suas novelas, a escola é local de “grandes” dramas sociais. A última coisa que se vê é alguém em sala de aula. A escola é um palco para vários enredos, menos para algum que discuta a própria escola. Para comparar, escolha 10 novelas japonesas e 10 brasileiras que envolvam o tema escola. Certamente você verá os mesmos afagos aos adolescentes, como se suas vidas escolares se resumissem ao primeiro namoro ou à briga com o valentão da escola nas 20 novelas. Mas, ao contrário da jabuticaba verde-amarela, as novelas japonesas mostram uma frequência maior de enredos nos quais professores se preocupam com alunos a ponto de mostrarem aos pais que seus erros terão consequências terríveis, sem falar das mensagens morais que incentivam o adolescente a ir à escola, não para a praia (no mesmo horário, claro).
Se você não quiser ver 20 novelas — e não posso condená-lo por isto — olhe à sua volta. A potência brasileira é farta de alunos em seminários como o relatado por Sachsida, achando que podem falar o que quiserem, mudar as regras do seminário e até, em alguns casos, contestar a mesa da sessão. É o velho exemplo do sujeito que não sabe o que é didática e não educa ninguém reclamando que o professor não tem didática ou não sabe educar alguém.
Certamente, a qualidade do ensino não consiste em alisar aquela região famosa entre as pernas (ou, alternativamente (?)) o ego dos arrojados alunos contestadores que não sabem somar ou construir um argumento lógico. Mas não é difícil ver que muitos professores se portam como tal. É uma certa covardia, pois fogem do papel de educador. Alguns se justificam dizendo que “foram mandados pelo chefe”. Bem, em Nuremberg, dezenas de nazistas também usaram esta desculpa para tentarem se safar. O fato é que a covardia continua a ser covardia, a despeito de qualquer justificativa que se queira dar a ela…
Obviamente há exceções — o próprio Sachsida e tantos outros — porque, por mais que as pessoas cometam erros, elas são racionais e aprendem, evoluem. Alguns demoram mais do que outros e, com tantos vestibulares elaborados de forma a exigir pouco do aluno, é compreensível que o ensino superior tenha melhorado em quantidade, mas também tenha incorporado gente com déficits educacionais, dificuldades de concentração, etc.. Vários estudos apontam a importância de se priorizar a educação básica e, em muitos deles, nota-se que o desempenho do menino na escola é fortemente relacionado com o grau de educação da mãe. Talvez não seja questão apenas de se ter uma mãe que saiba somar e subtrair (e que saiba o que é uma raiz quadrada), mas sim uma combinação de seu conhecimento e da capacidade de transmissão de valores (eis aí, talvez, a “cultura”) que favoreçam o desenvolvimento do conhecimento e não o progresso da mediocridade cínica que surge na boca de alguns arrogantes alunos que pensam zombar do professor quando, de fato, apenas exteriorizam a qualidade bovina de sua formação supostamente “engajada”.
A mensagem ao leitor interessado em mudar a si mesmo (ou aos seus) é : quer um Brasil mais desenvolvido? Trate de estudar e ler mais. Quem sabe, um dia, você não consiga entender um mínimo sobre “didática”, “conhecimento”, “educação” para, diante de seus pares na academia, defender seu argumento perante uma banca honesta que não será amistosa só porque você torce para o mesmo time de seus membros? Quando isto acontecer, lembre-se de saber o que fazer quando um imbecil o interromper com um discurso, ao invés da pergunta no tempo programado. Se você for esperto, entenderá o que é qualidade de ensino quando tomar uma decisão em tal situação.
P.S.: Paradoxalmente, não consegui escrever este argumento em menos de quinze minutos, como gostaria Sachsida, o que é irônico. Por outro lado, se o brasileiro não consegue ser sucinto, talvez este texto lhe seja adequado.
(Publicado em “OrdemLivre.org”)
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