O título é de Anísio Teixeira, na década de 1950. E continua na mesma.
A paixão da educação brasileira é a burocracia. Tudo é legalmente correto, mas os resultados são pífios. Os currículos são fixados e fiscalizados pelo Ministério da Educação (MEC) e terminam em exames que medem todos os alunos com a mesma régua. Não importam as suas preferências intelectuais e pretensões profissionais. Bem-sucedido é quem tira as melhores notas em todas as matérias, só que a vida e os progressos não são medidos assim. Uns serão capazes em umas coisas e outros, em outras. “Eu não posso fazer isso, mas posso fazer aquilo” e são as diversidades que alimentam o progresso, não as homogeneidades. Mal educamos a maioria dos alunos para as coisas que eles não gostam de fazer e fracassamos em ensinar-lhes o que eles gostam.
Todos sabemos, já no segundo grau, definir nossa direção básica: ciências humanas e sociais ou exatas. O gargalo são as exatas.
Perguntei a um professor de Matemática, defensor apaixonado da necessidade de todos saberem altas matemáticas, para que elas serviam. Sua pronta resposta: “Para calcular o tamanho dos planetas e a distância entre eles”. Segunda pergunta: e quando foi a última vez que o senhor precisou calcular o tamanho de um planeta? Ele coçou a parte de trás da cabeça, sorriu e disse: “Só quando eu estava na escola”. Isso não é uma diatribe para que não se ensinem ciências exatas na escola, mas a maneira de ensinar pode e deve variar, dependendo do propósito, das vocações e das intenções de cada aluno.
Hoje o acesso às informações está gigantescamente expandido. Fora da internet, há ciência no canais de TV do tipo Discovery e seus desdobramentos, como há nos seriados policiais CSI, Criminal Minds e Numbers. Isso basta para quem não vai ser cientista exato. Para quem vai há necessidade de saber mais sobre cálculos e experimentos. Fica, então, a pergunta: por que tentar enfiar paralelepípedos em buracos cilíndricos e esperar que eles coincidam exatamente?
Autoritarismo burocrático é a resposta. É assim “porque tem de ser assim”. Os professores ensinam o que sabem, sem poder mudar currículos, e de olho nos testes estandardizados por meio dos quais o MEC insiste em que todos usem o mesmo tamanho de sapato, não importando o tamanho do pé.
Na década de 1990 a Universidade Estácio de Sá criou cursos com aulas das 11 da noite à 1 da madrugada. O MEC não autorizou. A razão alegada: ninguém pode estudar a sério nesse horário. Depois de idas e vindas burocráticas, acabaram autorizados e foram um grande sucesso. Havia público, que, pelas mais variadas razões, se sentia bem e rendia melhor nesse horário.
No ano passado, com a falta de mão de obra especializada, o Senai, que não é controlado pelo MEC, criou cursos na área de metalurgia, nas favelas do Complexo do Alemão, das 4 da madrugada às 7 da manhã. Estavam duros de gente e havia fila na porta (“O Estado de S. Paulo”, 31/7/2011). Na ausência do preciosismo autoritário-regulatório do MEC, os cursos foram criados para atender às necessidade do mercado e aos interesses dos candidatos.
Isso nos leva à conclusão de estudo recente de Simon Schwartzman: educação e crescimento econômico estão ligados, só que, ao contrário do que o senso comum pensava, é o crescimento econômico que empurra a educação, e não esta que puxa o crescimento.
As grandes universidades tecnológicas norte-americanas, criadas e financiadas pelos milionários do fim do século 19 e início do século 20, como John Rockefeller, Andrew Carnegie, Andrew Mellon e Leland Stanford, surgiram não porque a burocracia exigia ou gostava, mas porque a continuação do crescimento capitalista das fortunas dos robber barons dependia da formação de profissionais. No Brasil tudo fica na mão do governo, que pouco sabe do que o crescimento precisa e segue iludido achando que é a educação que puxa o desenvolvimento.
Sofro de discalculia (dificuldades em matemática, “Estado”, 9/4/2009). Pouco aprendi na escola nessa matéria, mas era fascinado pelos conceitos e princípios matemáticos descritos por Malba Tahan em “O Homem que Calculava” (Editora Record). Aprendi muito com o Laboratório Químico Juvenil – fornecia substâncias que, quando misturadas corretamente, produziam tinta de escrever invisível, cores ou fumaça – e com o Poliopticon, cheio de lentes e tubos que me permitiam fazer desde microscópios até lunetas para ver as vizinhas trocando de roupa.
Cedo aprendi o básico sobre perfuração de petróleo em “O Poço do Visconde”, de Monteiro Lobato, originalmente publicado em 1937. Mais recentemente, entendi muitos conceitos de estatística, que tentaram ensinar-me por meio de fórmulas e cálculos, lendo o “Desafio aos Deuses: A Fantástica História do Risco”, de Peter L. Bernstein (Campus, 1997).
Nunca iria ser cientista exato, mas tudo isso foi importante para entender o mundo. Com o Tesouro da Juventude (uma coleção de livros que era como que uma mescla das revistas Superinteressante e Galileu) aprendi a fazer uma porção de coisas que currículos e professores insistiam em não ensinar ou em fazê-lo de maneira errada.
Ou bem passamos a fornecer educação customizada, tal como vendemos sapatos dos tamanhos e modelos adequados aos pés dos clientes, ou vamos continuar a seguir a sina de Anísio Teixeira. Na educação tudo seguirá sendo legal, mas continuará sendo muito ruim e não funcionando.
Nisso desperdiçaremos dinheiro dos pagadores de impostos, que terão a ilusão de que a educação será melhor apenas porque o governo gasta mais dinheiro e insiste em formar todos para se tornarem cientistas e literatos, quando a grande demanda do crescimento vai em outra direção.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 11/09/2012
Prezado Professor Alexandre. Sempre fui fascinado com história. No ensino básico eu devorava os livros didáticos antes das aulas começarem. Mas, fui reprovado em duas séries porque tive um péssimo aproveitamento em matemática. Me tornei professor de teologia e história. Aprendi sozinho hebraico e grego e estou estudando siríaco para cursar um mestrado na área de história antiga. Ainda não sei muita matemática. Mas, o que importa mais?
Em tudo e por tudo é indispensavel e urgente uma autêntica Revolução Educacional,que deve passar, primeiro, pelas cabeças dos gestores, num gesto heróico e visionário, típico de um verdadeiro Estadista, com E maiúsculo, capaz de revirar competentemente os atuais e superados usos e costumes. Caso contrário, continuaremos com esse malfadado “autoritarismo burocrático”, que contempla a visão caolha do problema, o desinteresse cívico e a confortavel acomodação.
Não é disso, porem, que o país necessita desesperadamente.
Prezado Alexandre Barros: PARABENS!! Sua analise corrobora com o pensamento de muitos que, como eu, professores, sente a burocracia imposta por curriculos que parecem ser aplicados de Norte a Sul do país, sem considerar suas diferenças. Um país formado por quase 30 estados
(insistem em criar mais e mais, mais de 5 mil municipios (de tamanhos que variam de menos de mil ate milhoes de habitantes) nao pode mais olhar a educacao como mero indice a ser alcançado para satisfazer politicas e politicos, nacionais e internacionais. É preciso trabalhar sim o que o mercado quer, o que precisa. Mas antes, pensar na formacao do ser humano completo… nao so tecnologico.. Regulacao e regulamentacao sao necessarias..mas sem engessamento do processo…
Foi direto ao ponto!