Em maio foi realizado na Coreia do Sul um dos eventos mais importantes para transformar a vida e o futuro de crianças e jovens no planeta: a Conferência Mundial de Educação. A Declaração de Incheon põe grandes desafios para os países, entre os quais assegurar qualidade aos que já estão nas escolas, garantir progressivamente 12 anos de educação obrigatória e gratuita e ao menos um ano de pré-escola.
O tema da educação infantil, aliás, esteve presente em várias discussões. Num café com a presença de vários ministros de Educação, James Heckman, Prêmio Nobel de Economia que há anos estuda o impacto de investimentos na primeira infância, disse que não há ação de maior retorno em educação do que a voltada para crianças pequenas.
Além disso, como ficou evidente na conversa, não há estratégia melhor para diminuir a desigualdade de origem socioeconômica no desempenho escolar. Não que o principal argumento para investir em educação na primeira infância seja econômico. Deve-se fazê-lo porque, como bem diz o texto da Declaração de Incheon, trata-se de um direito da criança.
Muitos municípios no Brasil estão empreendendo forte iniciativa voltada para a expansão do número de vagas em creches, seja como parte do programa Brasil Carinhoso, do governo federal, ou em resposta às expectativas da população que deseja espaços seguros para que as mães possam trabalhar. Mas não basta ofertar mais vagas e focar apenas nas mães.
Herdadas da assistência social, as creches eram vistas por muitos apenas como centros onde se recebiam os bebês para que as mães pudessem trabalhar tranquilas. Com a nova Lei de Diretrizes e Bases, a atenção às creches passou a ser considerada importante etapa na educação das crianças. Com isso se tornou fundamental definir com clareza o componente educacional desse atendimento, pensando em primeiro lugar na criança. Assim, é necessário dotar essas unidades de profissionais preparados para lidar com essa faixa etária, um currículo e materiais adequados e uma infraestrutura própria para os pequenos. É também importante envolver os pais nesse processo, assegurar tempo para que as crianças estejam com a família e que a entrada na creche não se faça cedo demais, o que pode prejudicar a amamentação (mesmo que algumas creches tenham espaços para isso) e a formação do vínculo.
Enquanto não se conta com vagas públicas para todos os que preferem ou necessitam desse tipo de atenção, é importante dar prioridade às crianças que vêm de famílias que se encontram abaixo da linha da pobreza ou vivem em situação de vulnerabilidade. Assim se pode, de fato, começar a diminuir a desigualdade no desempenho escolar futuro.
No Brasil a pré-escola vai se tornar obrigatória a partir de 2016. Há alguns anos os municípios vêm se preparando. Aqui também alguns cuidados devem ser tomados. Se, por um lado, não se deve tratar essas crianças com técnicas próprias de anos mais avançados na escolarização, há que investir numa transição suave e no início do processo de alfabetização, envolvendo a oralidade e o significado social da leitura. Antes de ler livros, a criança deve se envolver com o prazer da leitura e entender a associação entre sons e letras. A pré-escola é também um momento privilegiado para aquisição de competências socioemocionais como a persistência, a empatia, a autonomia e o autocontrole. Para essa fase é importante contar com professores preparados para a transição vivida por eles, um currículo claro que estabeleça o sequenciamento na aquisição de competências em diferentes domínios e materiais adequados ao currículo e à ludicidade própria da etapa. Livros tornam-se ainda mais importantes, devem estar presentes na sala e ser enviados para casa.
[su_quote]Apenas avaliar a existência de equipamentos, materiais ou a presença de professores não é suficiente para definir a qualidade da educação oferecida[/su_quote]
Mas não é possível assegurar qualidade na educação infantil se não houver monitoramento e avaliação. A avaliação de creches e pré-escolas assume outro formato, distinto do que usualmente se faz em escolas, mas não deve perder de vista que o importante é o aprendizado e o desenvolvimento integral da criança. Apenas avaliar a existência de equipamentos, materiais ou a presença de professores não é suficiente para definir a qualidade da educação oferecida.
É importante observar, também, que a primeira infância, como área de políticas públicas, é por natureza um espaço intersetorial. Quanto mais a educação, a saúde e a assistência social trabalharem juntas, melhor atenção terá a criança, bem como mais chances de ter um desenvolvimento saudável e um futuro com menos desigualdades. Muitas vezes as organizações responsáveis por essas políticas não dialogam nem constroem pontes para atuação conjunta.
A frequência na pré-escola será, em breve, obrigatória, mas não em creches. Nem toda mãe deseja seu filho em creche e nem todas têm acesso imediato às vagas desejadas, dado que a expansão, na maioria dos municípios, está sendo feita só agora. Há alternativas de atenção a essas crianças, não apenas no campo da educação, mas da saúde e assistência social. Exemplos como o Primeira Infância Completa (PIC), no Rio de Janeiro, são promissores. Os pequenos, nesse caso, frequentam o ambiente de creche aos sábados, quando são estimulados e acompanhados e suas mães participam da Escola de Pais, recebendo aulas sobre cuidados com a criança, fortalecimento de vínculos familiares e apoio ao desenvolvimento infantil. Uma biblioteca circulante possibilita que os pais levem livrinhos para ler ou mostrar aos filhos. No mesmo sentido, o Primeira Infância Melhor (PIM), do Rio Grande do Sul, acompanha as crianças e orienta os pais em visitas domiciliares, em que também fornecem livros infantis às famílias.
Com esses cuidados as crianças poderão ter um desenvolvimento saudável e crescer estimuladas para um bom desempenho nas escolas e na vida. Elas certamente merecem!
Fonte: O Estado de S. Paulo, 16/6/2015
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