Um terço das salas de aula não tem infraestrutura; em 40%, falta espaço para cursos de profissionalização
Considerada fundamental para o sucesso do sistema socioeducativo, a Educação oferecida nos centros de internação de jovens infratores no Brasil está longe de atender ao desafio. Um terço das salas de aula das unidades não tem equipamentos, iluminação e suporte de biblioteca adequados, aponta relatório inédito do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Em 40% dos estabelecimentos, faltam espaços para a profissionalização.
Se levado em consideração o padrão estabelecido pelo Plano Nacional de Educação (PNE), só 4,7% dos colégios em unidades de internação têm infraestrutura adequada, conforme levantamento da organização “Todos pela educação”, feito a pedido de “O Globo”, com base no Censo Escolar 2014. Quase 90% das escolas não têm laboratório de ciências, 59,2% funcionam sem quadra de esportes e 51,1% não oferecem biblioteca, para citar os três itens mais ausentes.
O levantamento aponta que 27% dos estabelecimentos em unidades socioeducativas não contam sequer com saneamento básico. Embora parecidas com as condições médias das escolas de uma forma geral no país, esses estabelecimentos têm uma missão ainda maior, observa Alejandra Meraz Velasco, coordenadora-geral do “Todos pela educação”.
— Nessa população de alta vulnerabilidade e sem outras oportunidades de aprendizado, a situação torna-se particularmente crítica — diz Alejandra.
São mais de 20 mil matriculados nas escolas dentro de unidades socioeducativas, dos quais 47,6% cursam o ensino fundamental regular. Para a maioria deles (55%), as aulas ocorrem na forma multisseriada. Ou seja, alunos de diferentes níveis de aprendizagem numa mesma sala.
A saída é tentar colocar alunos com níveis aproximados numa mesma turma, conta Márcia Monteiro, uma das coordenadoras pedagógicas do Colégio Estadual Mauro Alves Guimarães, que funciona dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo de Formosa (GO).
— A gente condensa o conteúdo para que todos possam acompanhar. Mas falta até sala de aula. Não temos impressora para fazer cópias de atividades para os alunos — diz Márcia.
Na escola que Márcia coordena dentro do centro de internação, os alunos têm apenas dois dias de aula por semana. Além das dificuldades de infraestrutura, a indisponibilidade de professores impede que os adolescentes desfrutem da escola diariamente, como deveria ser. Dos oito educadores, só três são concursados, o restante trabalha para a rede estadual por meio de contrato temporário.
— A rotatividade é grande. E os efetivos não querem vir para cá. Este ano, quatro vieram e não ficaram, porque não se adaptaram — conta Márcia.
No Brasil, 45,4% dos quase 1,5 mil professores que trabalham em unidades socioeducativas têm contratos temporários. Por outro lado, a média de alunos por turma é de 9,7, bastante inferior a da educação básica — 24,3 estudantes por sala.
Perfis diferentes
Sentado em uma das carteiras pregadas no chão (por segurança, todas são assim em Formosa), um dos jovens internos divide a sala com apenas três colegas, enquanto escreve uma redação com o título “O menino sem família”.
A caligrafia arredondada conta a história dele. O pai morreu no ano em que o garoto nasceu e a mãe, quando ele tinha 10 anos. Morando com tios maternos, aos 14 começou a trabalhar em uma marmoraria. Ano passado, decidiu que o salário era pouco.
Assaltou casas, fez um arrastão na rua e praticou roubo a mão armada, até ser apreendido. Com mais desenvoltura que os colegas para escrever, o garoto de 17 anos conta que gosta de ler, principalmente gibis da “Turma da Mônica”.
Aos 18 anos, completados dentro do Centro de Internação para Adolescentes de Anápolis (GO), onde está por roubo a mão armada, outro dos internos não sente vontade alguma de ir para as aulas, que ocorrem a poucos passos de sua cela.
— Essa escola não ensina nada. Ficam dando coisas de 5ª série, que já estudei — reclama.
Maior de idade, ele dá uma resposta curiosa quando questionado sobre a redução da maioridade para 16 anos. Defende que seria muito melhor estar em um presídio, tese repetida por outros dois internos ouvidos em ocasiões diferentes.
— Acho uma coisa boa no presídio. Você vai ter visita íntima, entra vários tipos de comida. Você mesmo pode cozinhar. Lá tem cigarro. Aqui tudo é medida disciplinar, não pode nada — reclama.
Sem espaço para cursos
Sobre cursos de profissionalização, os números são ainda piores que os da educação formal. Com exceção do Sudeste, onde 80,4% das unidades têm espaço adequado à profissionalização, nas demais regiões, o percentual é baixo: 48% no Centro-Oeste; 39,6% no Nordeste, 41,5% no Norte e 44,4% no Sul.
Mas ter o espaço nem sempre significa ter cursos. No centro de internação de Anápolis, aulas de mecânica de motos, instalador predial, entre outras opções, foram ofertadas nos últimos anos por instituições do Sistema S, muitos por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec). Este ano, com o Pronatec atrasado, nem uma turma foi aberta.
Fonte: O Globo
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