A expressão é originária da meteorologia. É uma metáfora para explicar como uma perturbação pequena, o bater das asas de uma borboleta, pode influenciar na formação de um furacão no outro lado do planeta por meio de sequências de impactos que se vão expandindo na atmosfera. É empregada em sistemas dinâmicos e complexos, como da física, da botânica e da economia.
Ilustrando a ponto, poderia explanar o que aconteceu na Argentina há algumas semanas. A queda de 0,1% na taxa de desemprego nos Estados Unidos provocou uma corrida ao dólar em Buenos Aires, que se propagou aos preços, obrigando o Banco Central a subir os juros para 40% e o governo argentino a recorrer ao FMI para um empréstimo-ponte para controlar a escalada do dólar lá e evitar o pior.
Crises são eventos recorrentes no mundo por diversos motivos. No Brasil, desde o século 19 todas têm o mesmo padrão: crescimento anêmico, déficits fiscais e dívida pública aumentando, um evento catalisador, como preço das commodities ou default de outro país, alta do dólar e dos juros, aperto do crédito, elevação da inadimplência, menos crescimento e, o pior, mais desemprego.
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O relato de todas é parecido, a responsabilidade é sempre atribuída ao efeito borboleta, batizando as crises com diferentes nomes: do café, do petróleo e do euro, para citar algumas. Todas as narrativas focam nos catalisadores, nenhuma aponta o que é importante, a fragilidade do quadro conjuntural interno e a falta de medidas mitigadoras.
Um exemplo é o que aconteceu há duas décadas. A moratória da dívida russa em agosto de 1998 foi o evento catalisador para uma crise aqui. Em cinco meses, apesar da alta dos juros, o Brasil perdeu metade de suas reservas, recorreu ao FMI, o dólar subiu mais de 60%, a dívida pública cresceu 13% do PIB e o setor não financeiro e os empregos sofreram estragos consideráveis.
A pergunta que todos se fazem agora é se o País pode ter uma crise nos próximos meses. A probabilidade de que ocorra é insignificante, mas não é zero. Comparando com a Argentina atual, o Brasil está melhor em vários aspectos, mas pior em outros, o déficit e a dívida aqui são maiores e o crescimento é menor.
Analisando os números atuais e os de 20 anos atrás, alguns indicadores macroeconômicos mostram uma solidez maior, mas outros, como a dinâmica fiscal, não. Agora, como então, é ano de eleição presidencial, o que causa incertezas políticas. Mas são outros tempos e, comparando as duas situações, o Brasil está bem melhor, mas há espaço para aprimoramentos na condução atual.
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Um argumento usado com frequência é que com reservas de US$ 380 bilhões o País está protegido contra ataques especulativos. É uma meia-verdade, pois os investimentos em carteira de estrangeiros totalizam US$ 598 bilhões, superando a munição de defesa. É fato, as reservas protegem, mas não blindam totalmente.
Atualmente, o dólar está claramente desalinhado. Para reverter sua tendência o Banco Central atua no mercado futuro para, entre outros motivos, não ter de usar as reservas. É uma estratégia arriscada e cara. Em caso de uma alta mais forte, o impacto na dívida pública de operações futuras seria desastroso. Usando o mercado à vista, que é mais estreito, conseguiria baixar as cotações com volumes de intervenções menores e menos riscos.
A manutenção das reservas internacionais num patamar fixo põe o Banco Central numa armadilha. Se numa hora de estresse começar a ter de usá-las, vai sinalizar o pior e agravar o quadro. O remédio vai virar um veneno. A solução é anunciar agora, que está num momento de relativa calmaria, a mudança do regime de reservas rígidas para flutuantes e usar parte delas para estabilizar o dólar.
O setor não financeiro poderia mitigar a volatilidade do câmbio com a autorização de contas em divisas. A medida não dolarizaria a economia brasileira, daria uma proteção (hedge) natural a empresas, baixaria o custo de carregar divisas e reduziria os efeitos das incertezas da volatilidade cambial na produção e no emprego.
Há mais que pode ser feito. Aplicar o princípio de Thornton, economista do século 18, que indica que em momentos de turbulência se deve injetar liquidez no sistema para aumentar a confiança. A eliminação dos compulsórios e a operacionalização do redesconto, além de reduzir o custo do crédito, aumentariam sua oferta e o ânimo dos empresários e consumidores.
Outra atitude é mudar o discurso do governo. No passado sempre foi o de minimizar o risco de problemas. Desde a década de 1970, quando o Brasil era “uma ilha de prosperidade num mundo de turbulências”, até a última pré-crise, com o anúncio de que era apenas “marola”. É hora de fazer diferente. O momento exige valentia, amadurecimento, reconhecer as fragilidades e atuar sobre elas, e dessa forma evitar o pior.
Para evitar crises e seus efeitos nefastos a melhor recomendação de política é fazer a economia crescer de forma sustentável e sólida. É demorado. Nesse sentido, dever-se-ia apelar para o patriotismo dos candidatos a presidente para que assumam compromisso com uma agenda estratégica que aumente a confiança no futuro do Brasil.
Há um pessimismo injustificado sobre o desempenho econômico do País. Alguns indicadores estão aquém do esperado, mas outros surpreendem positivamente. É fato, há problemas, mas o Brasil não é problemático. Planos de governo consistentes de todos os presidenciáveis dariam uma injeção de ânimo, apontando que o melhor está por vir.
As perspectivas para este ano e o próximo são boas: a economia vai crescer, a inflação está sob controle, o balanço de pagamentos se apresenta sólido e a probabilidade de uma crise é insignificante, mas diferente de zero. Considerando que há “borboletas”, como tensões geopolíticas e atitudes intempestivas de alguns governantes, que podem dificultar. É melhor prevenir que remediar.
Fonte: “Estadão”, 25/05/2018