Ao longo da campanha, os candidatos deixaram de abordar várias questões importantes. Na educação, a maioria preferiu evitar a realidade e insistir na tecla do “mais”: mais escolas, mais recursos, mais salários, mais bolsas, mais tempo integral. Por razões óbvias, esquivaram-se do diagnóstico: as contas não fecham nos três níveis da federação; cai a demanda por matrículas e professores; e o sistema educacional já se expandiu para além do que é necessário e sofrerá um encolhimento significativo. Finda a campanha, será a hora de enfrentar a realidade. O desafio maior é promover a qualidade com equidade. E a pedra de toque é a eficiência.
Em educação, isso significa usar bem o tempo em sala de aula. Evidências sobre isso não param de chegar. Barbara Bruns e Javier Luque, do Banco Mundial, confirmam, em estudo recente, a relação entre o tempo gasto pelo professor em atividades relevantes de ensino e o desempenho dos alunos. Os questionários do Pisa também captam essa relação.
Um levantamento elaborado por Guilherme Hirata, do IDados, mostra que, no Brasil, a porcentagem dos professores que usa ao menos 80% do tempo em sala de aula em atividades relevantes de ensino varia entre 35 e 58% no 5º ano e entre 36 e 48% no 9º ano do Ensino Fundamental. Os resultados dos alunos desses professores variam de 183 a 251 pontos em média no 5º ano e de 226 a 277 no 9º ano – ou seja, quanto maior a porcentagem de tempo gasto em atividades relevantes, maior a nota média dos alunos. Trata-se de uma correlação, não de uma causalidade. Mas os dados, colhidos na Prova Brasil, referem-se à massa de professores e escolas públicas do país. É muito tempo jogado fora.
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Pelos dados do Censo Escolar, também podemos observar dois outros fatores que afetam a eficiência: a maioria dos municípios oferece aos alunos apenas um turno regular que varia de quatro a quatro horas e meia de aulas por dia. Se descontarmos o recreio, o tempo de aulas cai para pouco mais de 3h30 a 4h por dia. Juntando com a informação anterior, conclui-se que a maioria dos alunos participa de menos de 2h de ensino por dia – ou seja, metade das 800 horas anuais previstas em lei. Só aqui, estamos falando do desperdício de quase 50% de um gasto de quase R$ 300 bilhões por ano.
Chegamos, assim, a uma outra questão: tempo integral melhora o desempenho dos alunos? Os dados empíricos também oferecem uma resposta clara: não. Em geral, o aumento do tempo não está correlacionado com ganhos na Prova Brasil. É muito mais barato e eficaz usar melhor o tempo existente para ensinar do que investir em ampliar o tempo escolar.
Não há segredo sobre o que é preciso e possível fazer para tornar a educação mais eficiente. Um primeiro conjunto de medidas refere-se à jornada diária de trabalho. Com a mesma infraestrutura e professores, a maioria das escolas poderia oferecer pelo menos 5h de aula por dia – se tivermos 40 minutos para recreio, ainda sobrariam 4h20, ou seja, 260 minutos para ensinar. Se ajustarmos o uso do tempo do professor aos padrões internacionais – cerca de 85% -, teríamos algo em torno de 3h30 ou mais de ensino efetivo, quase o dobro do que se temos hoje. Fácil falar, difícil de fazer, pois colide com fortes interesses corporativos.
Um segundo conjunto de medidas refere-se às condições para que o professor use melhor o tempo em sala de aula: preparar e ministrar uma aula de acordo com práticas pedagógicas eficazes. Para um professor de alto nível, a forma de condução é uma, mas para a maioria dos professores são necessárias estratégias específicas. Tudo ao contrário do que se prega e se faz. Essas duas medidas dependem de um currículo simples, claro e bem estruturado, e de um sistema de gestão escolar no qual o diretor tenha autoridade e poder de ação.
Os dados e conhecimentos são robustos e estão disponíveis. Trata-se simplesmente de fazer bem feito o trivial variado. Mas são inúmeros os entraves. Há os de natureza legal, como a legislação sobre os horários de trabalho do professor e os mecanismos de incentivo e sanção para assiduidade. Há os de natureza técnico-pedagógica, como a ausência de um bom currículo e de competências técnicas em questões básicas como elaborar currículos, planos de curso e planos de aula. Grandes distorções decorrem também das regras do Programa Nacional do Livro Didático, que levam à elaboração de livros e orientações para um professor que não existe na realidade.
Há no Brasil algumas experiências comprovadamente exitosas que demonstram como promover avanços significativos. Algumas delas têm foco em gestão, outras em pedagogia, outras em ambos. Algumas se utilizam estrategicamente do tempo integral para introduzir essas práticas. Outras conseguem resultados similares sem precisar recorrer ao tempo integral. Nada disso é diferente do uso de práticas gerenciais conhecidas para aumentar a produtividade no mundo empresarial. Se adotassem a mesma racionalidade em seus patrocínios, empresas que financiam ONGs ou que patrocinam diretamente intervenções na área de educação poderiam contribuir para saltos gigantescos de eficiência e qualidade.
Novos governantes assumirão o comando do governo federal e dos governos estaduais. Embora tenha um histórico de políticas desastradas e ineficientes, o governo federal dispõe de instrumentos para identificar e estimular iniciativas que poderiam ajudar governadores e prefeitos interessados em promover saltos na educação. Governadores também poderiam desempenhar um papel importante junto aos municípios. Não faltam experiências e conhecimentos sobre o que pode dar certo.
Fonte: “Valor Econômico”, 01/11/2018