Kim Hye-sook é uma norte coreana que sobreviveu a um campo de prisioneiros políticos mantido pelo regime comunista de Kim Jong-un
A senhora da foto acima tem lutado praticamente sozinha contra um país inteiro. Kim Hye-sook é uma norte coreana sobrevivente de 28 anos de trabalhos forçados em um campo de prisioneiros políticos mantido pelo regime comunista de Kim Jong-un, filho de Kim Jong-Il. Foi uma das raras pessoas a sair viva dali até hoje.
E uma das poucas a ter coragem de servir como informante da Coreia do Sul e dos países ocidentais sobre as violações aos direitos humanos impetrados pela Coreia do Norte. Com base na própria história, ela tem viajado diversos países para defender que a ONU e organismos internacionais parem de enviar ajuda humanitária aos norte-coreanos. Parece contraditório, mas não é. A facilidade com que o regime de Pyongyang lança foguetes radioativos é inversamente proporcional à sua habilidade de produzir arroz. A população só não passa (mais) fome porque recebe doações de comida de outros países. E é exatamente essa ajuda humanitária que permite ao regime seguir firme na linha ditatorial. O povo continua apoiando o governo enquanto o estômago não reclamar demais.
A história de Kim Hye-sook é digna da narrativa de O processo, de Franz Kafka. No livro, o autor descreve um sujeito processado sem saber o porquê. Kim foi levada ao campo de concentração de trabalhos forçados aos 13 anos de idade, sem ter a menor ideia do motivo. Descobriu só depois de liberta que, como seu avô havia conseguido cruzar a fronteira em fuga para a capitalista Coreia do Sul, toda a sua família fora condenada à prisão e ao trabalho compulsório.
Gwalliso, o campo de concentração no. 18
Gwalliso, o campo de trabalhos forçados número 18, foi o endereço de Kim por mais de metade de sua vida. Aos oito anos, ela foi separada dos pais. Reencontrou a mãe quando entrou no campo de concentração. Ali, descobriu que o pai já tinha morrido. A rotina era cruel. A família de sete pessoas recebia quatro quilos de milho a cada 15 dias. E isso era tudo, TUDO, o que eles tinham para comer. “Era difícil a gente conseguir comer uma refeição por dia”, conta Kim. Dadas as condições, uma criança norte-coreana de 9 anos era menor do que uma de sul-coreana de 5 anos. E as crianças eram ensinadas a dizer: “Obrigada nosso general, Kim Jong-Il”.
O campo era cercado por muros de quatro metros de altura e os prisioneiros, vigiados 24 horas por dia. Os guardas estavam sempre dispostos a mandá-los se ajoelhar e abrir a boca, onde gostavam de cuspir. “Isso me aconteceu três vezes nos meus 28 anos de prisão. Por muitos dias depois eu não consegui comer nada, me sentia enjoada. Nem sei quantas vezes eu pensei em me matar, mas não conseguia instrumentos para isso”. Nos momentos de mais fome, nos anos 1990, os prisioneiros chegaram a comer grama. Não roubavam comida apenas porque não havia comida alguma para ser roubada. “Vi muita gente morrer de fome. Depois de ver tantos corpos, eu simplesmente não sinto nada se vejo alguém morto hoje em dia”, diz Kim.
A regra: não pergunte
Nenhum prisioneiro podia perguntar por que estava preso ou questionar as regras do campo de concentração. A punição para quem descumprisse a norma era a execução pública. Por esse motivo, muitos norte-coreanos morreram sem saber por que estavam ali, incluindo a mãe de Kim. Os prisioneiros eram executados a tiros ou por enforcamento. Kim afirma que pelo menos 100 deles tinham esse destino todos os anos. Eram condenados não apenas por perguntarem, mas por não trabalharem a contento ou até mesmo por serem supersticiosos. Todo mundo era forçado a assistir aos assassinatos.
O casamento
Casar ali não era um ato de amor, mas uma estratégia de sobrevivência. Para conseguir mais comida, Kim e suas irmãs mais novas casaram-se com desconhecidos. Eles passaram a ajudar no sustento da família das noivas com o pouco milho que ganhavam. A gravidez também era conveniente. Como a sobrevivência nos campos de trabalho forçado era muito difícil, a população de prisioneiros começou a diminuir rapidamente na década de 1980. A maternidade foi então estimulada pelo governo norte-coreano, com aumentos dos períodos de descanso para mães grávidas.
O trabalho em minas de carvão
Kim e os quatro irmãos foram forçados a trabalhar nas perigosas minas de carvão do campo no. 18. Sem qualquer tipo de segurança, o irmão dela acabou morrendo em um acidente dentro da mina. Os restos mortais dele nunca foram encontrados. O mesmo destino teve o marido de Kim. Ela prórpia trabalhou em minas de carvão por 13 anos – jornadas de 16 horas ao dia. Como trabalhava o equivalente a um homem, raramente apanhava. Em compensação desenvolveu uma doença crônica nos pulmões que a impede de fazer qualquer tipo de atividade hoje, aos 50 anos de idade. Os capitães militares das minas costumavam estuprar as trabalhadoras. Em troca, lhes davam um prato de sopa.
A libertação
Em 2001, sem muitas explicações, Kim foi solta. Ela não tinha para onde voltar, já que boa parte da família havia sido dizimada. Somente depois de solta, ela descobriu por que havia sido presa. Tentou a vida na China e na Tailândia, até conseguir entrada na Coreia do Sul e apoio de ONGs internacionais, como a brasileira Conectas. Ela sabe muito pouco sobre política e história para comparar o que viveu ao que sofreram milhares de russos vítimas do stalinismo e de judeus, nos campos nazistas. Tudo o que ela pode fazer hoje é desenhar. Desenha especialmente os campos de trabalho forçado. E segue viva graças aos cuidados médicos custeados pelo governo sul-coreano. Ao Mulheres do Mundo ela disse que seu sonho é “ver o dia em que todos os prisioneiros, inclusive alguns de seus familiares, sejam libertos e os campos abolidos. Gostaria que a Coreia do Norte se tornasse um país normal o bastante para que eu pudesse voltar a encontrar minha família”, diz.
Estima-se que haja 200 mil norte-coreanos em campos como o de no. 18, pelo qual Kim passou. O Brasil tem tido um comportamento ambíguo em relação à Coreia do Norte em foros internacionais. O país já se absteve algumas vezes em votações de sanções ao país por questões humanitárias. O governo Dilma tem demonstrado mais consistência nas críticas ao regime ditatorial, embora ressalte sempre que não quer interferir em questões domésticas. Discordo. Não existe soberania nacional que justifique desrespeitos à humanidade como faz a Coreia do Norte.
Fonte: revista Marie Claire
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