Existem no Brasil 803 cidades e 5 milhões de crianças em regime de extrema vulnerabilidade social.São locais com baixíssimos índices de crianças na escola, infraestrutura precária e uma renda que pode ser menor que R$ 255 por mês, segundo dados do Atlas de Vulnerabilidade Social do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), órgão do governo federal.
Foram esses números que fizeram o empresário catarinense Roberto Pascoal querer fazer algo para melhorar o cenário.
Publicitário de formação e natural de Joinville (SC), ele havia abandonado o emprego na área comercial de uma grande empresa de mídia para buscar um período sabático em Angola.
De quatro meses, a viagem acabou durando quatro anos. E foi no país africano, em contato com um cenário diferente e com condições de extrema pobreza similares a algumas regiões do Brasil, que ele lapidou o que mais tarde se tornaria a Omunga, um negócio social que busca impactar crianças por meio da educação.
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Para atingir esse objetivo, Pascoal apostou na construção de bibliotecas. E os aparatos seriam construídos não em regiões metropolitanas, mas em áreas de vulnerabilidade mais afastadas no país, como o sertão nordestino.
“O nosso diferencial é estar onde ninguém está. Em regiões remotas, é muito difícil encontrar organizações desenvolvendo trabalhos do tipo. Por isso, queremos estar lá”, diz Pascoal.
A ideia é identificar uma região de vulnerabilidade, levantar dinheiro, mobilizar voluntários e aí construir uma biblioteca na área. Além disso, percebendo que a biblioteca sozinha não bastava, Pascoal acrescentou uma segunda fase. O empreendedor social oferece formação aos professores locais para ajudarem os alunos a usarem livros e computadores que ganharam.
Hoje, a Omunga já construiu duas bibliotecas no Piauí, nas cidades de Betânia e Curral Novo, além de uma biblioteca em Angola. Já foram 4.500 crianças beneficiadas e 350 professores formados. Junto com o prédio, são doados livros e computadores.
“A educação é a melhor ferramenta para combater a extrema pobreza”, afirma Pascoal.
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“Não queria passar cestinha, contar história triste”
Para tirar as bibliotecas da Omunga do papel, Pascoal precisava, é claro, de dinheiro. E em vez de buscar doações para viabilizar o projeto, o empresário resolveu seguir a via do empreendedorismo social.
Essa área, quando o problema a ser resolvido é social e os lucros revertidos para a própria causa, ainda era recente no Brasil quando começou a estruturar o negócio. Mas o publicitário conta que não queria depender somente de doações.
“Não queria ser aquela pessoa que os empresários correm porque acham que vai pedir alguma coisa”, diz Pascoal. “Não queria passar cestinha, contar história triste para conseguir dinheiro.”
Assim, o negócio nasceu como “grife social”, vendendo camisetas cujo faturamento era revertido para os projetos. A inspiração veio parcialmente das peças da Osklen, grife carioca que tem histórico de preocupação ambiental e estampa camisetas com a causa.
Até recentemente, as camisetas e produtos da Omunga financiaram o empreendimento e foram responsáveis pela construção das duas primeiras bibliotecas no Piauí.
Mas com o intuito de aumentar o faturamento e diversificar as fontes de renda, a Omunga também lançou no fim de 2018 um clube de assinaturas “social”.
Se em clubes tradicionais os assinantes recebem livros ou vinhos, no clube da Omunga quem paga os R$ 69,90 mensais recebe material periódico sobre a causa que estão ajudando, como vídeos das escolas beneficiadas no Piauí e depoimentos das crianças.
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Empreendimento já beneficiou mais de 4 mil crianças (Foto: Daniel Machado/Divulgação)
A mensalidade não deixa de ser uma doação, mas Pascoal acredita que essa relação de proximidade com o doador é primordial. “Queremos tratar o assinante como um investidor. Se ele não recebe informação sobre o que está acontecendo, esquece que você existe”, diz.
Entre as experiências do clube de assinaturas está a possibilidade de viajar para conhecer os projetos no sertão. O clube foi lançado há cerca de três meses, e conta com 100 assinantes. O objetivo para 2019 é chegar à casa dos mil.
Não significa que o negócio seja completamente avesso a doações. Além do negócio social, a Omunga fundou em 2017 seu outro braço, o Instituto Omunga. Um dos objetivos é levantar doações por meio de editais.
Apesar disso, Pascoal afirma que a busca por financiamento por meio dos negócios sempre será o carro-chefe. “O mesmo protagonismo que temos com a causa queremos ter com o negócio”, diz.
O empresário também esclarece que o objetivo não é substituir o poder público, mas ajudar comunidades mais desassistidas. A relação com os governos locais, contudo, nem sempre é das mais amigáveis.
“Em uma cidade do interior do Piauí, quando mudou o governo municipal, eles não gostavam da gente porque achavam que eramos do partido do prefeito antecessor”, conta. “Tem governante bom e governante ruim. Mas temos que ter muito esforço, porque o governo sai, mas a população fica.”
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Para 2019, a meta é fazer de duas a três novas bibliotecas até o fim do ano. A primeira delas será no estado do Amazonas.
“Dessas milhares de crianças, podemos ter advogados, médicos”, diz Pascoal, lembrando da história de uma criança que contou que, antes dos livros, não sabia que essas profissões sequer existiam. “Só queremos dizer a elas que elas são capazes de ir além. Educação é um direito, não um privilégio.”
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”