Estamos em ano eleitoral. E o galinheiro político já começa a entrar em clima de agitação. Eleição municipal é sempre um ensaio para o grande embate presidencial lá na frente. Ataques aos adversários, promessas irrealizáveis e imagens produzidas farão parte, mais uma vez, do discurso dos candidatos. Assistiremos, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode, infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência.
Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos – ou deveríamos ser – o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Só nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que certamente não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida.
Por isso uma cobertura de qualidade será, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. Não basta um painel dos candidatos, é preciso cobrir a fundo as questões que influenciam o dia a dia das pessoas. É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas. É necessário resgatar o inventário das promessas e cobrar coerência. O drama das cidades – segurança, educação, saúde, saneamento básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas, transporte público de qualidade e responsabilidade fiscal, entre outros – não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos deverão mostrar capacidade de gestão, experiência, ousadia e criatividade.
Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O centro do debate tem de ser o cidadão, as políticas públicas, não mais o político, tampouco a própria imprensa. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute a Nação oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório.
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A independência é a regra de ouro da nossa atividade. Para cumprir a nossa missão de levar informação de qualidade à sociedade, precisamos fiscalizar o poder. A imprensa não tem jamais o papel de apoiar o poder. A relação entre mídia e governos, embora pautada por um clima respeitoso e civilizado, deve ser marcada por estrita independência.
Um país não se pode apresentar como democrático e livre se pedir à imprensa que não reverbere os problemas da sociedade. Não apenas os que aparecem na superfície, mas também aqueles que vão corroendo os pilares da cidadania. A intolerância é, de longe, um dos mais nefastos filhotes do sectarismo. A radicalização ideológica não tem a cara do brasileiro. O PT procurou dividir o Brasil ao meio. Jogar pobres contra ricos, negros contra brancos, homos contra héteros. Pretendeu substituir o Brasil da tolerância por um país do ódio e da divisão. Tentou arrancar com o fórceps da luta de classes o espírito aberto dos brasileiros. Procurou extirpar o DNA, a alma de um povo bom e multicolorido. Não queria o Brasil café com leite.
O totalitarismo ideológico pretende espoliar milhões de cidadãos do direito fundamental de opinar, elemento essencial da democracia. Se a ditadura gramsciana constrange a cidadania, não pode, por óbvio, acuar jornalistas e redações. Informação independente incomoda e faz pensar. Jornalismo sem censura é o melhor antídoto contra aventuras autoritárias.
Anotemos a experiência e estejamos alertas. Agora e sempre. Governo e Congresso precisam se entender. Não cabe mais o “toma lá dá cá”, de triste memória. Mas também não fazem sentido ameaças populistas e ensaios de democracia direta. É preciso dialogar. Faz parte do processo democrático. O primeiro mandamento do jornalismo de qualidade é a independência. Não podemos sucumbir às pressões dos lobbies direitistas, esquerdistas, homossexuais ou raciais. O Brasil eliminou a censura. E só há um desvio pior que o controle governamental da informação: a autocensura. Para o jornalismo, em ano eleitoral e em qualquer tempo, não pode haver vetos, tabus e proibições. Informar é um dever ético.
O leitor espera uma imprensa firme, disposta a exercer o seu intransferível dever de denúncia fundamentada. O jornalismo de qualidade deve assumir o papel de memória da cidadania. Mostramos o que os políticos querem ocultar. Precisamos falar dos planos e do futuro. Mas devemos também falar do passado, das coerências e das ambiguidades.
Deixemos de lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos aprisionar pelas necessárias pesquisas eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais a fundo. A pergunta inteligente faz a diferença. Incomodar é preciso. E é o que o leitor espera de nós.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 9/3/2020