Eleições, democracia e instituições
A certeza de que os resultados das urnas serão respeitados é prova de que a democracia brasileira está funcionando bem em um aspecto central, o sistema eleitoral. Mas os exemplos de vizinhos como Venezuela e Argentina mostram que democracia é muito mais do que eleições – ela requer também instituições sólidas, que permitam que o governo funcione de forma competente e eficiente; uma ordem legal que proteja e garanta a liberdade e os direitos individuais; e um sistema político-partidário que seja percebido pelos cidadãos como capaz de articular e representar seus interesses e preocupações. As democracias modernas também necessitam abrir espaço para a participação dos cidadãos em diversas áreas de seu interesse, acompanhando e complementando a ação dos governantes. Vista assim, a democracia brasileira está ainda longe do que deveria ser, e o risco de resvalar pela ladeira do “bolivarismo” de tipo venezuelano é bastante real.
Os episódios recentes que atingiram o IBGE, assim como o debate recente sobre a autonomia do Banco Central, permitem entender com clareza a importância das instituições em um regime democrático, que afeta também as agências regulatórias, o Supremo Tribunal Federal, as universidades públicas, o Ipea, a Receita Federal e a Polícia Federal, assim como empresas estatais como Petrobras, Banco do Brasil, Caixa Econômica e BNDES. O governo federal, em nome da sociedade, tem responsabilidade e obrigação de indicar os principais dirigentes dessas instituições, orientar suas ações e cobrar resultados, o que é muito diferente de ter a liberdade de nomear, simplesmente, seus preferidos políticos e interferir, sem mais aquela, no dia a dia de suas atividades. É para isso que devem existir regras definidas sobre as características que os indicados precisam ter (competência técnica, idoneidade, ausência de conflitos de interesse), mandatos definidos, aprovação das indicações pelo Senado, e conselhos superiores encarregados de supervisionar e também de proteger as instituições de interferências externas indevidas.
O governo FHC avançou bastante ao dotar as agências reguladoras de autonomia e garantir, na prática, a independência de instituições como o IBGE, o Ipea e o Banco Central, sem chegar a lhes dar, no entanto, a estrutura legal de instituições autônomas de que necessitam. Os governos do PT usaram as agências reguladoras e as estatais para distribuir cargos para aliados e protegidos, e só agora o país percebe o alto preço que está pagando, entre outros, pelo uso político da Petrobras e da Eletrobras. O Ipea e o IBGE, sem mandatos e formatos institucionais claros, se perdem em confusões técnicas que criam suspeitas sobre interferências políticas. E o posicionamento da candidata Dilma contra a autonomia do Banco Central mostra que ela não reconhece a importância de instituições públicas sólidas para uma democracia que realmente funcione. Não é um bom sinal.
Fonte: Folha de São Paulo, 29/09/2014
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