Existe um enorme consenso a respeito da educação no Brasil, mas esse consenso é perigoso. O maior consenso é o do “mais”: mais escolas, mais vagas, mais horas-aula, mais salários, mais bolsas, mais programas, mais recursos. Há um forte consenso de que decisões educacionais devem ser baseadas em algumas teorias sociológicas e pedagógicas e evidências não interessam. E há um fortíssimo consenso a respeito de como estabelecer e validar processos de consenso. O Plano Nacional da Educação (PNE) e a Base Nacional Curricular Comum (BNCC) são frutos disso.
O maior monumento ao consenso nacional pela educação atende pelo nome de Plano Nacional de Educação. Ele segue um processo formalmente participativo, mas que, na verdade, não passa de um ritual orquestrado em torno de interesses corporativos. Como não há um debate verdadeiro nem critérios objetivos para dirimir divergências, as propostas que vingam são agregadas e justapostas. O resultado é um mostrengo que, se fosse implementado, custaria mais de 15% do produto interno bruto (PIB) brasileiro, destinaria mais de 10% do PIB na forma de salários para pouco mais de 2 milhões de funcionários e não resultaria em nenhum ganho de produtividade para as escolas ou para o desempenho dos alunos.
O processo de elaboração de um currículo nacional – que recebeu a alcunha de Base Nacional Curricular Comum – é outra vítima dessa forma “consensual” de operar. As duas primeiras versões foram elaboradas pelo governo anterior, seguindo um ritual semelhante ao descrito acima. O novo governo interferiu um pouco no ritual e conseguiu aprimorar significativamente um documento muito ruim, mas guardou seus principais contornos – até mesmo as carnavalescas e inócuas audiências públicas. É tanta a fome e a sede de consenso que os mesmos grupos que apoiaram as versões anteriores continuam apoiando a nova – o importante, parece, é evitar o debate e manter uma certa aparência de consenso.
No plano federal, as eventuais divergências programáticas entre PT, DEM e PSDB praticamente deixaram de existir. O PT era contra o Fundef, mas ampliou-o para criar o Fundeb. Era contra a avaliação, mas acabou universalizando a Prova Brasil e criando mais mecanismos de avaliação – incluído um bilionário e inócuo mecanismo de regulação do ensino superior privado. Era contra o setor privado, mas criou o maior programa de subsídios às faculdades privadas.
De volta ao poder, o DEM e o PSDB, por sua vez, depois de criticarem as políticas e práticas de seus antecessores, estão refazendo os mesmos caminhos e, com raras exceções, mantendo e reeditando os mesmos programas e usando os mesmos procedimentos. Um exemplo mais recente é a pressão para cooptar Estados e municípios para aderirem ao fracassado Programa Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (Pnaic). O outro foi a volta da censura, sob o pretexto de que determinados temas de contos de fadas seriam inadequados para crianças em idade escolar. Não se ouviu nenhum protesto – exceto em um artigo publicado neste jornal.
O PMDB, por sua vez, no documento Ponte para o Futuro, apresentou uma tímida, tosca e modesta proposta para a educação que poderia até fazer sentido para a transição, mas em nenhum momento cuidou de comunicá-la ao titular do Ministério da Educação (MEC) ou cobrar sua execução. Se esses partidos formularam no passado alguma proposta diferenciada para a educação, isso se perdeu na História.
No Congresso Nacional, afora embates verbais por vezes acalorados, é mínimo o nível de divergência nas votações de matérias sobre educação, tanto nas comissões especiais quanto nas votações em plenário. Na hora de votar, não há a menor convicção pessoal ou orientação partidária que resista ao poder de pressão das corporações ou à truculência do Poder Executivo.
Olhando pelo lado dos resultados, seria de esperar que, após pelo menos 20 anos de implementação de políticas consensuais, houvesse melhorias na educação. Na verdade, há algumas e poucas melhorias. Em termos de acesso, é inegável o avanço. Mas em termos de qualidade, os resultados são pífios e refletem muito mais o efeito do aumento de mais anos de escolaridade, e não de melhores escolas. A eficiência piora e o custo/benefício é muito baixo. Em termos de formação de capital humano, não avançamos – há décadas o País não experimenta ganhos de produtividade.
Ou seja, nem o “grande consenso” nem eventuais políticas partidárias resultaram em avanços educacionais significativos, duradouros ou consistentes. Também não é possível identificar êxitos educacionais consistentes relacionados com administrações estaduais ou municipais do PT, PSDB, DEM ou PMDB.
Os partidos e a política tradicional estão desacreditados e dificilmente serão capazes de propor uma plataforma partidária convincente – muito menos uma proposta consistente para a educação. A todos faltarão credibilidade política e credenciais. Por outro lado, a educação dificilmente será um tema importante nas próximas eleições majoritárias, já que temas como corrupção, violência e emprego deverão dominar a pauta, e na busca por votos a forma deverá ser mais importante do que o conteúdo.
Também dificilmente a educação será objeto de atenção prioritária dos próximos governantes – pois poucos são os que sabem tirar proveito de momentos difíceis para promover as profundas reformas que o setor requer. A ordem do dia, para os partidos e candidatos dos partidos tradicionais, é focar nas convergências – e vimos acima as funestas consequências do consenso vigente. Daí não sairá nada de bom para a educação.
Resta esperar que os novos candidatos e novos partidos apresentem novas propostas.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”, 04/11/2017
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