Fechamos mais um ciclo do calendário eleitoral. Prefeitos e vereadoras estão, teoricamente, próximos da vida dos cidadãos. O eleitor, como sempre, foi seduzido pelas mensagens do marketing político. E nós, jornalistas, não conseguimos fazer o necessário contraponto. Não sou injusto. Reconheço que fomos capazes de produzir excelentes cadernos especiais. Admito, também, que inundamos o leitor com páginas e páginas de cobertura eleitoral. Quantidade não faltou. Mas a hora é de reflexão e autocrítica a respeito da qualidade dessas coberturas.
Os jornais, creio, não conseguiram romper a agenda do marketing dos candidatos. Ataques recíprocos, baixarias e promessas, sem o devido contraponto, ocuparam as páginas dos diários. É difícil imaginar que o leitor, visivelmente desencantado com o show eleitoral, tenha interesse numa cobertura que não consegue ir além do espetáculo político. Assistiu-se a uma desintermediação dos jornais. A imprensa, em geral, ficou a reboque das pautas dos candidatos, não foi capaz de estabelecer debates sobre questões relevantes e limitou-se, muitas vezes, a repercutir questões produzidas nos programas eleitorais gratuitos.
Na cidade de São Paulo, concretamente, as páginas de política foram tomadas por declarações sobre o “kit anti-homofobia”, a influência do mensalão na eleição, a possibilidade de o ex-prefeito José Serra (PSDB), novamente postulante ao cargo, renunciar outra vez e as visitas dos candidatos às igrejas. Esse comentário, da ombudsman da “Folha de S.Paulo” sobre a cobertura de seu jornal, bem se poderia aplicar à imprensa em geral. Realmente, nas muitas páginas que dedicaram ao assunto, os jornais não se mostraram capazes de fugir da pauta ditada pelos marqueteiros, para questionar os candidatos de forma objetiva quanto aos problemas da cidade e suas promessas de campanha.
Campanhas milionárias, promessas irrealizáveis e imagens produzidas fazem parte do marketing dos candidatos. Assistiu-se, mais uma vez, a um show de efeitos especiais produzido para aliciar o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode, infelizmente, ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência.
Os programas eleitorais gratuitos vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós, jornalistas, somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os candidatos. Somente nós, estou certo, podemos minorar os efeitos perniciosos de um espetáculo audiovisual que, certamente, não contribui para o fortalecimento de uma democracia verdadeira e amadurecida.
As pesquisas eleitorais, por outro lado, podem contribuir para o estabelecimento do debate cívico. Elas representam uma manifestação concreta do direito à informação e democratizam o processo eleitoral. Mas a importância das pesquisas não elimina a necessidade do seu aprimoramento, sobretudo no que se refere à sua divulgação pela imprensa. De fato, os problemas não costumam estar nas pesquisas – os institutos brasileiros de pesquisa têm uma tradição de profissionalismo -, mas na maneira como são interpretadas e divulgadas.
O protagonismo excessivo das pesquisas na mídia empurra para segundo plano o debate das ideias, dos planos de governo e das políticas públicas. A participação da imprensa na divulgação dos resultados das pesquisas influi decididamente na configuração da opinião pública e da vida democrática. Impõem-se, por isso, cuidado redobrado e, principalmente, bom adestramento técnico dos jornalistas quanto ao procedimento das pesquisas.
É um equívoco reduzir a cobertura política a uma mera reprodução dos índices fornecidos pelos institutos de pesquisa. Trata-se, certamente, de uma atitude que brota de uma reta intenção: transmitir um quadro isento do momento eleitoral. Tal decisão, no entanto, tem o seu reverso e exige, talvez, uma mudança de orientação. O simples registro das pesquisas pode apresentar um quadro superficial da realidade. Ocultam-se, por exemplo, aspectos relevantes do perfil dos candidatos, as forças que o sustentam, a consistência de suas propostas.
Por isso, uma cobertura de qualidade é, antes de mais nada, uma questão de foco. É preciso declarar guerra ao jornalismo declaratório e assumir, efetivamente, a agenda do cidadão. A busca da isenção não exime o jornalista de questionar os candidatos e os detentores de funções públicas e de impedir que usem os jornais para seu marketing político e pessoal.
É importante fixar a atenção não nos marqueteiros e em suas estratégias de imagem, mas na consistência dos programas de governo. É necessário resgatar o inventário das promessas e cobrar coerência. O drama das cidades – segurança, educação, saúde, saneamento básico, iluminação, qualidade da pavimentação das ruas, transporte público de qualidade e responsabilidade fiscal, entre outros – não pode ficar refém de slogans populistas e de receitas irrealizáveis. Os candidatos deverão mostrar capacidade de gestão, experiência, ousadia e criatividade.
Transparência nos negócios públicos, ética, qualificação e competência são as principais demandas da sociedade. E são também as pautas de uma boa cobertura eleitoral. Deixemos de lado a pirotecnia do marketing e não nos deixemos algemar pelas necessárias pesquisas eleitorais. Nosso papel, único e intransferível, é ir mais fundo. A pergunta inteligente faz a diferença. E é o que o leitor espera de nós.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 12/11/2012
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