Artigo publicado no “Estado de S. Paulo”, em 18 de janeiro de 2019.
Tenho uma boa e uma má notícia. A boa é que nunca se falou tanto em privatização. A má é que está se falando demais. Alguns ministros estão defendendo as estatais das suas pastas, inclusive as que eram unanimidades nas listas de extinção, como a EBC, Imbel e Ceitec. Só falta arranjar alguma utilidade para a Natex, a empresa estatal de camisinha. Talvez para contrabalançar esses recuos, o ministro de Infraestrutura anunciou a desestatização de 100 empresas num universo de 135 estatais.
Seria lindo, mas é número fantasioso, mesmo incluindo a venda de subsidiárias, liquidação ou cisão de empresas, especialmente em prazo tão curto.
Nossas estatais pertencem à União, por isso o Tesouro é quem deve definir a alocação do patrimônio público. O programa de desestatização atual prevê a separação da área de concessões, que continua sob responsabilidade do PPI (Programa de Parcerias de Investimentos), da venda ou liquidação de empresas, que passa para uma secretaria específica no Ministério da Economia criada para isso. Bem positivo. É tudo desestatização, mas os procedimentos são muito distintos. Nessa torre de babel, quem menos fala é exatamente quem tem o poder de decisão: Paulo Guedes e Salim Mattar, secretário da nova pasta. No que fazem bem. Melhor anunciar com certeza o que e como privatizar.
Os ministérios setoriais são bem-vindos para contribuir no desenho de formas de venda que gerem um ambiente competitivo e eficiente, porque o valor arrecadado não é o único objetivo na venda de uma estatal. Para evitar ruídos, e decidir o que realmente fica no Estado, é recomendável colocar todas as empresas no programa de desestatização de uma só vez. A Secretaria de Desestatização passaria a coordenar os estudos que vão definir a atuação do Estado na economia, conforme o art. 173 da Constituição, onde está claro que a presença estatal é exceção e não regra. Petrobrás, Banco do Brasil e Caixa ficam de fora dessa iniciativa porque demandam autorização legal específica. Parece que o presidente já excluiu a possibilidade de privatização das três, assim o decreto seria suficiente para cumprir a agenda liberal, ma non troppo, deste governo.
A Eletrobrás tem uma situação especial, pois foi retirada do Programa Nacional de Desestatização (PND) pela Lei 10.848/04. Um decreto não se aplica neste caso. Por isso, foi enviado ao Congresso, no ano passado, um projeto de lei pedindo a autorização para a sua privatização. O PL 9.463/18 traz também a modelagem de venda da empresa. Há ainda uma série de condições, valores e ajustes prévios ali previstos. Foi um erro estratégico o envio de um PL com essas características.
Tradicionalmente, quem define a forma de venda, preços e ajustes necessários é o Executivo. Essa é a função da nova Secretaria de Desestatização, como no passado foi do BNDES. Tal prerrogativa foi delegada pelo próprio Legislativo na lei que criou o PND, nos anos 90. E deve continuar assim. O PL da Eletrobrás, do jeito que está, pode abrir um precedente ruim; dar ao Parlamento uma função essencialmente técnica, quando a ele só caberia decidir mudanças legislativas cruciais para a desestatização, como é o caso da autorização para venda de controle.
Apesar dos inúmeros benefícios das privatizações, ainda há muita resistência da sociedade. A transparência das decisões ajuda muito a vencer tais resistências. No caso da Eletrobrás, etapas foram puladas deixando muitas dúvidas sobre o processo e seus benefícios. Isso deveria ser evitado pela nova administração. Os questionamentos vão desde o impacto da desestatização sobre tarifas de energia até a opção de privatizar a própria da holding, com uma oferta pública de ações, em vez de vender o controle de suas subsidiárias em separado.
Privatizar é sempre um desafio. Sem boa governança e transparência pode ser impossível. Insisto em usar o exemplo da Eletrobrás porque os equívocos devem ser evitados no futuro, para qualquer procedimento de venda, não importando tamanho ou setor.
Com o novo governo temos a oportunidade de corrigir o rumo de um assunto que começou errado. O primeiro passo seria retirar o atual projeto de lei. Do Congresso só é preciso a revogação do dispositivo legal que retirou o sistema Eletrobrás do PND. E começar de novo.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”
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