Em agosto de 2012, a UPP do Parque Proletário, na Penha, foi a primeira lotação de X. Era o auge da pacificação. Com o passar dos anos, o PM diz que viu o projeto ruir: os ataques às bases da unidade tornaram-se frequentes, assim como os casos de colegas mortos e feridos e os conflitos com a população local. A rotina de estresse tornou-se insuportável: em 2016, o policial precisou ser afastado. E a situação virou estatística. No ano passado, por dia, em média quatro PMs entraram com pedido de afastamento das funções por problemas psiquiátricos, um total de 1.498 militares.
O número, parte de estudo elaborado pela Comissão de Análise da Vitimização Policial da PM, equivale à quantidade de policiais em dois batalhões de porte médio. A quantidade é 800% maior que o registrado em 2013, quando 188 policiais pediram afastamento.
— O modelo das UPPs foi um engano. Entramos achando que soltaríamos pipa com a população dentro da favela. Foi o que nos venderam. Com o passar do tempo, tudo desmoronou. Passamos a viver numa guerra na qual éramos os alvos o tempo todo. O ambiente é de total hostilidade — relata X.
O estudo da PM revela que, proporcionalmente, os policiais de UPP correspondem à maioria dos que pedem afastamento. Do total de pedidos de licença psiquiátrica, em novembro de 2016, 30% eram de lotados nas unidades. Os militares das áreas pacificadas, no entanto, correspondem a menos de 20% da tropa.
— Fico só em funções internas, burocráticas. Não tem terapia que faça com que eu me reestabeleça. Minha motivação para a polícia é zero — diz X., que passou dois meses fora.
Afastado pela psiquiatria em 2011, Y. nunca conseguiu se recuperar. Acabou reformado por apresentar transtornos de humor e personalidade. O militar era lotado no 5º BPM (Praça da Harmonia).
— Não parece, mas é um batalhão crítico, pois precisa com frequência dar apoio a outras unidades. O excesso de trabalho era o que mais me incomodava. Era muita pressão. Fui ficando muito agressivo. Estourava por qualquer coisa. Não tinha mais condições de continuar na rua — explica.
Relatos de punição
O estudo da PM mostra ainda que 70% dos policiais que pediram afastamento pela psiquiatria têm até 15 anos de corporação. Com três anos na Polícia Militar, lotado na UPP do Alemão, Z. precisou de ajuda. A medida em que os confrontos se acirravam, o comando também apertava a escala, diminuindo as folgas. Morador do Sul Fluminense, muitas vezes, ele não conseguia voltar para casa.
— Comecei a passar mal. Fiquei doente de verdade. Hoje, depois de seis meses de tratamento, me sinto bem melhor. O pior é que os superiores acham que estamos enrolando, que não temos nada e estamos fingindo — afirma.
Os relatos de punição por causa dos afastamentos não são raros. Y. conta que chegou a ser transferido do 5º BPM para a UPP Pavão-Pavãozinho durante seu período de licença, quando ainda não tinha sido reformado.
— Foi uma punição, só porque achavam que eu não tinha nada — conta.
Apesar da explosão de casos, o problema de afastamentos pela psiquiatria na PM não é novo. É o que mostram os casos de Expedito Rosa, de 75 anos, reformado desde 1988, e Edvaldo Montarroios de Mello, reformado há 20.
— Mesmo após ter sido reformado, vivo numa tensão constante e permanente até hoje. Vivo em alerta sempre — afirma Expedito.
– O correto seria termos, em cada batalhão, psiquiatras e psicólogos para tratar dos policiais, principalmente após eles se envolverem em tiroteio. Quem volta da rua após um confronto precisa de tratamento diário. Mas nem no hospital há esse serviço. O que acaba acontecendo é que os policiais descontam em suas famílias, que também não estão preparadas para esse nível de estresse. O policial é visto pelo estado como peça de reposição. Quando você está bem, serve. Se apresenta algum problema, passa a ser descartado. O mínimo que o estado poderia fazer seria dar assistência médica aos PMs, o que não acontece – afirma Miguel Cordeiro, presidente da Associação dos Ativos e Inativos e Pensionistas da PM.
Fonte: “Extra”
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