Desde meados dos anos 60 passamos, primeiro, por uma fase de crescimento elevado. Vieram as duas crises do petróleo, na presença de divisas muito escassas, e, às vésperas da mudança do regime político, a disparada da inflação e a queda do PIB. A Constituinte de 1987 reagiu priorizando a descentralização do poder público; assistência social/previdência e bem-estar do funcionalismo civil. Só que o binômio inflação-PIB nunca se acertou conjuntamente, tendo a hiperinflação campeado durante bastante tempo e o PIB voado que nem as galinhas: subia e caía.
Hoje o mundo se inundou de dólares, o que ajudou a domar a inflação. Mas o déficit público gigantesco que resultou impede que a economia volte a crescer como nos bons tempos e mantém acesa a chama do risco hiperinflacionário.
Resolver isso é o grande desafio à frente de Bolsonaro. Com a mesma eficiência com que aprovou o seu projeto liberal anticorrupção e pró-segurança, precisa encontrar o caminho político adequado para equacionar o problema previdenciário, a crise financeira estadual e a retomada dos investimentos em infraestrutura, que, em grande medida, são faces diferentes de um mesmo drama: a inviável “Constituição cidadã”.
Óbvio que o diabo mora nos detalhes, e cada analista tem os seus. Penso que o diagnóstico correto centra no combate ao elevado e fortemente crescente déficit da previdência pública, de R$ 173 bilhões em 2017 (2,6% do PIB) – metade na União e a outra metade no conjunto dos Estados –, bem acima do déficit ao redor de R$ 100 bilhões que poderia ocorrer no INSS, se sua receita não fosse afetada pela mais longa e mais profunda recessão de nossa história. De qualquer forma, trata-se de uma enorme insuficiência financeira total efetiva, de R$ 356 bilhões (5,4% do PIB), se adicionarmos o déficit observado no INSS, de R$ 183 bilhões em 2017, ao da previdência pública.
Leia mais
Alexandre Schwartsman: Pobres se aposentam sim
Monica de Bolle: O que pode avançar?
O forte crescimento dos déficits previdenciários acabou expulsando os investimentos dos orçamentos da União e dos Estados, onde, após atingirem o pico de 4,2% do PIB no início dos anos 70, desabaram para 0,8% do PIB em 2017, implicando queda real entre 5 e 6 vezes.
O esgotamento da margem de manobra orçamentária se deveu, ainda, à forte elevação do gasto com os itens que costumo denominar “donos do Orçamento”, verbas essas praticamente fora do controle dos titulares dos respectivos Poderes Executivos. Trata-se dos gastos setoriais nas áreas de educação e saúde, além dos chamados Poderes Autônomos (Legislativo, Judiciário, Ministério Público, Tribunais de Conta e Defensoria Pública). A estes se somaria, ainda, o serviço da dívida, hoje basicamente com a União, mas não incluiriam os gastos com aposentados, que os “donos” se recusam a bancar. Estes ficam de fora para os titulares equacionarem, juntamente com os das demais secretarias desprotegidas por “vinculações de receitas” ou outras amarrações, nelas se destacando o item investimento.
Para os Estados, essa situação se agravou consideravelmente após a explosão da recessão feroz, pois não podem mais emitir moeda de forma indireta e há poucas possibilidades de se financiarem (a não ser via esquemas especiais, como o Programa de Recuperação Fiscal, acessíveis a muito poucos). Assim, estão encerrando os últimos mandatos com elevados volumes de atrasados sem numerário equivalente nos caixas respectivos, o que os põe à margem da lei.
+ de Raul Velloso: Reorganizar e reformar
Para resolver tudo isso, a mudança de regras de que se cogita deveria vir combinada com a reorganização da Previdência em fundos de pensão, para onde se destinariam ativos e outros recebíveis indispensáveis ao seu equacionamento financeiro. Para aprovar esse projeto se juntariam todas as partes interessadas: Executivos federal, estaduais e municipais, que precisam sair do buraco, e representantes de servidores, que desejam ardentemente a sustentabilidade dos seus regimes, ainda que tenham de pagar maiores contribuições e aceitar perdas de direitos de que antes nem sequer cogitariam.
Fonte: “Estadão”, 10/01/2019