Recentemente conclui a leitura do livro O Fim da Eternidade de Isaac Asimov, um dos maiores, senão o maior nome da ficção científica mundial. A quem ainda deseja ler o livro algum dia, sugiro não continuar lendo o artigo para não tomar spoiler.
O livro conta a história de um mecanismo de viagem no tempo que a humanidade possui, chamado de Eternidade. Pessoas de diferentes séculos são escolhidas para trabalhar na Eternidade, onde elas ficam alheias ao tempo comum que o resto do mundo vive sua vida. Essas pessoas na Eternidade podem visitar os séculos da história da humanidade que querem visitar.
Além de outras funções, como fazer o comércio intertemporal, a principal função da Eternidade é gerar a estabilidade na civilização humana, isso é, atuar nos séculos, corrigindo problemas que podem desencadear em prejuízos sociais para a humanidade no futuro. Por exemplo, caso a Eternidade detecte que em um determinado século da história humana houve uma guerra mundial ou uma epidemia de algum vírus, ela atua em períodos anteriores à ocorrência no sentido de mudar a Realidade e fazer com que aquela tragédia não mais aconteça no eventual futuro, assim, toda a Realidade posterior a essa mudança se transforma de modo que a humanidade não passe pela guerra ou pela epidemia.
Todavia, todo processo de mudanças na Realidade provoca efeitos colaterais. Os Eternos (habitantes da Eternidade que geram mudanças nas Realidades) atuam para gerar segurança e estabilidade pelos séculos da existência humana, entretanto as mudanças de Realidade também extirpam da humanidade progressos que poderiam ser feitos. Um dos exemplos clássicos do livro foi um determinado século em que a humanidade conseguiu atingir a capacidade de realizar as viagens espaciais, contudo, naquele século, a taxa de incidência do uso de drogas na humanidade estava muito elevada. Os Eternos fizeram a mudança na Realidade e evitaram esse vício generalizado em drogas, todavia, como efeito colateral, na nova Realidade a humanidade não tinha mais conseguido realizar viagens espaciais.
Ao longo dos séculos, dos milênios, das centenas de milênios, a humanidade viveu em segurança, graças às intervenções dos Eternos na Realidade. “Todavia, os humanos que existiam nos tempos a partir do Século 100.000 criaram um mecanismo para interromper as mudanças de Realidade pelos Eternos a partir do Século 70.000”. Assim, os Eternos não conseguiam penetrar na Realidade dos séculos posteriores a esse na história da humanidade.
Mais tarde, se descobriu que isso foi feito porque as mudanças feitas pelos Eternos na Realidade, a fim de aumentar a segurança da humanidade, provocaram um estagnação do avanço, principalmente científico. Os humanos não conseguiram desenvolver a viagem especial tão cedo quanto se esperava. As viagens espaciais só foram desenvolvidas em um período posterior ao século 100.000. Porém, quando a humanidade foi conhecer as estrelas, percebeu que civilizações mais novas do que ela já tinham ocupado todo o espaço, não sobrando nada pra humanidade conquistar. Assim, a humanidade entrou numa sensação de profunda frustração coletiva.
A humanidade não criara as viagens estelares antes devido à constante intervenção dos Eternos na Realidade e agora, de fato, ela estava segura, mas profundamente infeliz, pois não podia sair da sua prisão – o planeta Terra, enquanto outras civilizações extraterrestres conseguiram se expandir. A humanidade viveu até o fim de sua existência trancada no seu pequeno planeta Terra, sem possibilidades de sair e se aventurar pelo Universo.
Por conta disso, os humanos do futuro, quando a viagem interestelar foi criada, fizeram o possível para destruir a Eternidade (compreenda que a história inclui paradoxos temporais “rsrs”, então compreenda a partir desse ponto), pois, sem ela interferindo constantemente para criar um ambiente totalmente seguro para os humanos, a tecnologia se desenvolveria a seu devido tempo e o ser humano iria conquistar a Galáxia antes de civilizações mais novas, podendo finalmente conseguir a sensação de liberdade, realização e sentido à vida que a Eternidade retirou dos humanos a pretexto de segurança, deixando todos infelizes em estagnação eterna.
Não preciso dizer o quanto isso foi tocante pra mim, que sempre busquei defender ideias de liberdade e não intervenção. Como diria o filósofo Karl Popper: “A tentativa de trazer o céu para a terra invariavelmente produz o inferno”. Percebemos isso diante de várias tentativas frustradas da humanidade em criar o paraíso, como o socialismo e o comunismo, e como essas ideologias criaram o inferno na Terra.
É a existência dos problemas humanos que possibilitam a geração do progresso. Tentar a todo custo trocar sempre a liberdade e o progresso pela segurança é o receituário para infelicidade da humanidade e seu declínio.