Qualquer que seja o presidente e os votos que carregue, no final do dia são os parlamentares os responsáveis por aprovar as leis
É conhecida a frase de Churchill sobre a democracia (“o pior dos regimes, com exceção naturalmente de todos os outros”). Aceita essa premissa, porém, surge outra questão: que democracia? Por exemplo, presidencialista ou parlamentarista? O Brasil já se expressou de forma muito clara (na consulta popular do início da década de 1960 e, 30 anos depois, na década de 1990) em favor do presidencialismo, mas talvez tenha chegado o momento de recolocar o tema em discussão.
Há três razões para isso. Em primeiro lugar, depois da última decisão popular, o quadro de fragmentação política do país exacerbou-se, tornando ainda mais claros os limites do presidente da República diante do Parlamento e levando o chamado “presidencialismo de coalizão”, na prática, ao que muitos já começam a definir como um “presidencialismo parlamentarista”.
Em segundo, a última gestão foi particularmente elucidativa acerca das limitações e problemas do nosso presidencialismo, levando a um processo político extremamente desgastante como o impeachment, crise essa que, no âmbito de um regime parlamentarista, poderia ter sido resolvida em poucos dias, com a queda do governo e sua substituição por outro, escolhido pelos parlamentares.
Finalmente, em terceiro, já se passaram quase 25 anos desde a última votação sobre o tema, o que significa que uma proporção significativa do eleitorado atual não participou daquele plebiscito e não necessariamente se sente representado pela decisão tomada. Além disso, cabe lembrar que aquela decisão se deu num contexto bastante confuso, em que a população também teve que escolher entre monarquia e república, contaminando bastante a discussão da época.
Não estamos ignorando duas coisas que certamente os críticos da proposta levantarão contra a ideia. A primeira, o desprestígio do Congresso. E a segunda, os riscos de impasse para formar o governo, particularmente notórios no caso recente da Espanha, mas também registrados em outros casos nacionais de menor repercussão, como há alguns anos na Bélgica.
Os sinais de imagem negativa do Parlamento são inegáveis. Ao mesmo tempo, isso não elimina o fato de que, qualquer que seja o presidente e os votos que carregue, no final do dia são os parlamentares os responsáveis por aprovar as leis. O sistema, cada quatro anos, dá ao povo a falsa sensação de que o presidente pode tudo, quando, a rigor, seu poder é limitado. Encerrada a votação, o eleitor volta para casa, o apoio ao mandatário se dilui no dia a dia, e este tem que negociar com quem tem poder, mas não compartilha as responsabilidades do mesmo. É como se, numa empresa, os diretores recebessem seu salário todos os meses e não tivessem maiores preocupações com os destinos da firma. Esse descompasso está na raiz da crise fiscal do país, fruto de décadas de irresponsabilidades compartilhadas. O parlamentarismo obrigaria os partidos a compor uma maioria que efetivamente funcione, ao invés de termos a “geleia geral” das últimas décadas, em que, no mesmo partido, estão ministros que compõem o governo e parlamentares que votam contra ele.
Em relação ao risco de recorrência de impasses para a formação de maiorias, ele existe, de fato, mas também é verdade que nossa tradição política, em condições normais, para o bem ou para o mal, é mais propensa a gerar acordos partidários que em países com problemas sérios com nacionalismos locais — como na Bélgica — ou com um elevado grau de conflitos associados às características do ser nacional — como na Espanha ou na Itália.
Não se está propondo aqui nenhuma forma de “golpe parlamentar” nem nada do gênero, e sim uma retomada do debate sobre o tipo de governo que seria melhor para o país. Como na hora de votar o cidadão precisa saber para o que estará se manifestando, é fundamental, se o debate frutificar, que, ao escolher o governante, o eleitor tenha conhecimento de qual será o ambiente legal em que ele terá que agir. Para tal, a sugestão é que no próximo governo se defina uma proposta alternativa de regime parlamentarista e ela seja colocada em plebiscito, como parte das reformas do governo que assumir em 2019, para 2019 ou 2020. Se rejeitada, nada mudaria. Se aprovada, o presidente eleito em 2022 indicaria em 2023 o primeiro-ministro. O debate vale a pena.
Fonte: “O Globo”, 08/05/2017
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