No momento em que governadores buscam socorro financeiro da União para reequilibrar as contas e arcar com despesas como a folha de pagamento, estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan) mostra o impacto da reforma da Previdência para o caixa dos estados. De acordo com o levantamento, em 14 estados do país, mais da metade do total, a remuneração média dos servidores aposentados supera a dos ativos. Em Santa Catarina, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, além da diferença na remuneração, o número de inativos também é maior. Em tramitação na Câmara, o texto da reforma prevê o aumento das alíquotas e do tempo de contribuição para o funcionalismo estadual.
A maior diferença está no Amapá, onde o servidor inativo recebe em média R$ 7,5 mil mensais e o ativo, R$ 4,6 mil. No Rio de Janeiro, as rendas já estão encostando. Inativos recebem R$ 5,4 mil mensais e os ativos, R$ 5,6 mil.
— A pesquisa confirma a necessidade da reforma da Previdência. O déficit total dos estados ficou, em 2017, perto de R$ 80 bilhões e, em 14 estados, os aposentados ganham mais do que os ativos. No Estado do Rio de Janeiro, metade do que é gasto com folha de pessoal é para pagar inativos — disse Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, presidente da Firjan.
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O radicalismo prejudica a economia
Para Raul Velloso, economista e especialista em contas públicas, o descolamento na remuneração revelado pelo estudo ocorre porque o valor do benefício do servidor aposentado corresponde ao último rendimento, geralmente mais alto após promoção ao longo da carreira. Entre os da ativa, há muitos servidores em início de carreira e com rendimentos mais baixos.
A pesquisa mostra que, em média, os aposentados do serviço público estadual recebem R$ 4,8 mil por mês no Brasil. No Distrito Federal, porém, esse valor (R$ 8,8 mil) é quase o dobro. A renda média do trabalhador brasileiro, segundo dados do IBGE, é de R$ 2.285.
— Isso tem a ver com a vida dos brasileiros. Não vamos ter equilíbrio social, educação e serviços de saúde decentes sem reforma da Previdência. Só vamos ter empregos aqui se tivermos a economia crescendo — afirmou o presidente da Firjan sobre a urgência de aprovação das mudanças de regras de aposentadorias.
Déficit pesa para todos
O levantamento da Firjan mostra em exemplo prático que a conta do déficit da Previdência recai sobre toda a sociedade. Para isso, o estudo divide o valor do déficit anual previdenciário de cada estado pelo número de habitantes. Na prática, a conta mostra quanto cada cidadão paga para cobrir o déficit em cada estado. O maior custo por morador foi encontrado no Rio Grande do Sul, onde cada habitante precisaria “contribuir” com R$ 1.038 por ano. No Rio de Janeiro, são necessários R$ 663 por morador.
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— É como se esse valor estivesse embutindo principalmente no ICMS, que é a maior fonte de financiamento do déficit dos estados. Quando você vai num chá de bebê e leva um pacote de fraldas, tem ICMS embutido para financiar o déficit previdenciário. A criança nem nasceu e já está pagando. Não tem como deixar de pagar esses salários, e esse dinheiro tem de sair de algum lugar. Seria socialmente mais aceitável se chegasse anualmente na nossa casa um boleto com essa conta — explicou Jonathas Goulart, economista da Firjan.
O estudo mostra ainda outro sinal de alerta: na maioria dos estados, o número de servidores aposentados já é quase igual ao de funcionários na ativa ou superior. No Rio Grande do Sul, já são quase dois aposentados para cada servidor na ativa. O patamar também é considerado insustentável em Minas Gerais, Rio de Janeiro e Santa Catarina.
— São dados que demonstram um custo muito elevado para a população, e que resultam em menos recursos para serem investidos na prestação de serviços — diz Velloso.
Medidas adicionais
Para o economista, é preciso combinar a reforma com outras medidas que “ataquem a raiz do problema”:
— É preciso (ter) essa conta dos orçamentos criando fundos de previdência ou de pensão e conseguir receitas novas para pagar esses fundos sem pesar nas costas dos contribuintes e na prestação de serviços. Do contrário, casos como o do Rio Grande do Norte, que já atrasa pagamentos de salários, como ocorreu no Rio há dois anos, vão se generalizar.
O economista do Insper André Marques pondera que os estados não podem ficar na expectativa de resolver todos os problemas financeiros apenas com a aprovação da reforma.
— É claro que, se a reforma não for feita, o problema vai se agravar, e os déficits vão crescer. A reforma é uma mudança estrutural e vai ter efeito daqui a alguns anos. Para sobreviver até lá, é preciso encontrar soluções com aumento de receitas e corte de despesas — diz Marques.
Ele lista como possíveis medidas adicionais o congelamento de concursos públicos e de salários, revisão de carreiras e de concessão de gratificações e incorporações, pois são gastos que impactam a folha dos ativos e dos inativos:
— Não adianta só deixar na conta da União a solução dos problemas com os inativos. Decisões que os governadores tomam, como conceder reajustes altos, geram uma conta que eles terão de pagar lá na frente. É preciso melhorar a qualidade do gasto público.
Fonte: “O Globo”