Quando o aeroporto de Congonhas, em São Paulo, alertava para o risco de suspender as operações por falta de combustível na quinta-feira passada, um dos aviões oficiais do governo paulista cruzava o estado para levar a primeira-dama, Lúcia França, a uma confraternização com primeiras-damas municipais. A aeronave havia decolado pela manhã com destino a Presidente Prudente, a 560 km da capital paulista, onde a professora Lúcia — como gosta de ser chamada — era convidada ilustre de um evento organizado pela mulher de um deputado colega de partido do governador Márcio França (PSB).
Três dias depois, quando a greve dos caminhoneiros atingia seu auge e o desabastecimento, principalmente de combustível, era dramático, a primeira-dama viajou cerca de 80 quilômetros em carro oficial até o litoral paulista para participar de uma caminhada beneficente à beira-mar em Praia Grande, no litoral sul, reduto político da família França.
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Em Presidente Prudente, o roteiro de Lúcia — que desde abril preside o Fundo Social de Solidariedade — incluiu a ida a uma exposição de artesanato patrocinado por trabalhos sociais de primeiras-damas, discurso e assinatura de convênio com dois municípios.
Naquela quinta-feira, a greve dos caminhoneiros se agravou em ritmo acelerado. Prefeitura e governo do estado começaram a fazer os primeiros anúncios do impacto da paralisação. Quando Lúcia pousou em Congonhas à tarde, paulistanos já encontravam dificuldades para circular pela cidade. A frota de ônibus havia sido reduzida pela falta de combustível, e a Polícia Militar reduziu o patrulhamento das ruas; rodovias estavam tomadas por grevistas.
Nem a região visitada pela primeira-dama passou ilesa. Quatro dias depois da visita, municípios vizinhos decretaram estado de emergência e de calamidade por falta de combustível para veículos oficiais, maquinários e até ônibus escolar. E, anteontem, o governo anunciou que não havia mais combustível para abastecer as aeronaves em aeroportos do interior, entre eles, o de Presidente Prudente, onde Lúcia pousou.
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O uso do avião oficial para o compromisso no interior do estado não pegou bem nos bastidores do poder. Na Assembleia Legislativa, o assunto circulou nos gabinetes. Os comentários eram de que havia faltado, no mínimo, sensibilidade à presidente do Fundo de Solidariedade.
O governo defendeu o uso da aeronave pela primeira-dama. Em nota, justificou que a atividade em Presidente Prudente foi uma “reunião de trabalho para avaliação e apresentação das ações realizadas por 53 fundos sociais municipais”.
A mesma nota termina dizendo que, desde então, Lúcia adiou todas as suas agendas externas.
Fonte: “O Globo”