A Declaração Universal dos Direitos Humanos surgiu, há exatos 68 anos, como reação da comunidade internacional às atrocidades cometidas durante o período da 2ª Grande Guerra. Dos cerca de 45 milhões de mortos entre os anos de 1933 e 1945, mais da metade foi de nacionais, de diferentes etnias, liquidados pelos seus próprios Estados. Essa barbárie só foi possível graças a um contexto de exacerbação do nacionalismo, da xenofobia, do supremacismo racial e de um enorme ceticismo em relação à democracia e ao Estado de direito.
A partir da ideia de que toda pessoa é merecedora de igual respeito e consideração, foi possível mobilizar as forças anticolonialistas, denunciar as barbáries cometidas por regimes autoritários de todos os matizes, promover a igualdade de gênero, assim como lutar contra a segregação e a discriminação racial. A declaração também ofereceu fundamento para que a democracia e as necessidades materiais básicas de todo ser humano fossem compreendidas como autênticos direitos. Embora nunca tenha deixado de sofrer críticas, à esquerda e à direita, e de ter diversas de suas ambições frustradas, a declaração constitui-se na principal âncora moral dessas últimas décadas.
Com o fim da Guerra Fria, houve um enorme otimismo em torno da ideia dos direitos humanos. Nos anos 1990 as Nações Unidas organizaram inúmeras conferências internacionais sobre clima, populações, mulheres, racismo, todas elas centradas na valorização da pessoa. Esse movimento fortaleceu agendas progressistas ao redor do mundo, que buscavam se contrapor a alguns dos efeitos perversos do processo de globalização. A própria adoção das Metas do Milênio constitui um esforço para diminuir o fosso de oportunidades existentes entre os habitantes deste conturbado e injusto planeta.
Essa onda de cosmopolitanismo ético fomentado pela declaração parece estar lentamente perdendo sua vitalidade, especialmente nas velhas democracias do norte, que acreditávamos consolidadas. Uma nova retórica do ressentimento e da exclusão, pautada na volta do nacionalismo como ideologia, da xenofobia e do racismo como prática, e também do ceticismo quanto à capacidade da democracia de resolver os problemas básicos da sociedade, vêm crescendo, como aponta o último “World Values Survey”. Também em países emergentes como Rússia, China, Índia e Turquia, essa retórica refratária aos direitos humanos ganha força, agora, porém, de forma afinada com os novos rumos da política norte-americana e europeia.
Paradoxalmente, na América Latina, com algumas exceções, as gerações mais novas têm lentamente ampliado sua adesão aos valores incorporados na declaração. O que mais preocupa na região, especialmente em seus dois maiores países, México e Brasil, é um profundo declínio na confiança em relação à capacidade das instituições em cumprir as suas promessas. Assim, embora sejamos um caldeirão de problemas, não fomos engolfados pela raivosa maré que nega a centralidade dos direitos humanos.
Nesse contexto hostil, o principal desafio dos direitos humanos é demonstrar a sua capacidade única de conciliar a promoção da diversidade à proteção da dignidade, ampliando a sua audiência, tanto em termos geracionais, como em relação a setores da sociedade que hoje se veem alienados por esse discurso.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 10 de dezembro de 2016.
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