A fila em frente ao consulado espanhol se estende por mais de cem metros.
Netos de espanhóis, gente com um comprovante de nascimento de um avô asturiano, galego ou andaluz nas mãos para obter o passaporte comunitário, documento que permite emigrar.
Os cubanos não manifestam sua frustração com cartazes de protesto, nem nas urnas eleitorais quando votam por seus representantes locais.
O que fazem todos os dias é pressionar as embaixadas, movidos por uma obsessão: fugir. Essa sangria constante não diminuiu com a chegada ao poder de Raúl Castro. Parece até mesmo que a ânsia de fugir aumentou, porque as reformas de Raúl estão sendo implementadas com tanta falta de entusiasmo que não convencem esses compatriotas de ficar na ilha.
Sinto-me, então, sozinha quando garanto para meus amigos que minha vida não está em outra parte, a não ser em uma outra Cuba.
Em um país do futuro onde ninguém será penalizado pela opinião e onde não precisaremos de autorização para entrar e sair de nossas fronteiras.
Ainda que pareça distante essa nação, o primeiro passo para originá-la já está dado, e é o aumento da crítica cidadã que tem obrigado o governo a adotar tímidas transformações.
Desde a metade de 2008, os cubanos podem ter um contrato de telefonia móvel, se hospedar em um hotel e comprar legalmente um computador. Tais mudanças ainda não aliviaram substancialmente o cotidiano.
Continuamos incomodados devido à dualidade monetária que implica em ganhar os salários em uma moeda e comprar boa parte dos alimentos em outra.
Também começou uma redução drástica dos empregos estatais, com o qual se antecipa o pior pesadelo que os propagandistas oficiais anunciavam para depois da derrubada do sistema.
Cuba marcha como um neoliberalismo de uniforme verde-oliva, como uma terapia de choque que nega todos os manuais de conteúdo marxista.
Por outro lado, a lentidão na implementação das flexibilizações econômicas tem se mostrado tal que até mesmo os militantes do Partido Comunista, controlados pelo pragmatismo do General, estão sendo defraudados.
Nem a entrega das terras ociosas -em usufruto de dez anos-representou a queda dos preços dos vegetais e das frutas, nem a ampliação do emprego por conta própria entusiasma uma população ofuscada pela apatia, pela corrupção e pelo incessante desvio de recursos.
É necessária uma alta dose de ingenuidade para acreditar que o ditador Raúl Castro obterá êxito em encaminhar o país para a obtenção de estabilidade e prosperidade.
Ao considerar que os cubanos continuam preenchendo formulários nos consulados, o dilema de tentar resolver o problema de forma nacional ou pessoal se torna o cerne da questão, sendo que a opção mais viável parece ser a segunda.
Não apenas se desejam maiores aberturas econômicas, mas também a lista de demandas é extensa no plano da liberdade.
As recentes libertações de presos políticos trazem esperança, mas o aparato repressivo que os levou à prisão se mantém intacto.
Cada dia fica a evidência que no poder já não existe uma ideologia ou um ideal de justiça social, mas homens obsessivos que se negam a deixar o vantajoso controle da nação.
Enquanto isso, os que não querem deixar sua vida em espera, fazem fila na parte de fora das embaixadas. Um visto para qualquer parte, dizem -sem aumentar a voz- não será, ao menos, interrompido pela intolerância que reina na ilha.
(“Folha de S. Paulo” – 25/10/2010)
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