Só mesmo a energia que vem do sol para explicar a persistência de Guilherme Susteras e Alexandre Bueno em montar um negócio num setor tão incipiente no Brasil. Energia renovável faz manchetes frequentes no noticiário internacional e no nacional e, junto com inteligência artificial, transformação digital e outros termos futuristas, é um dos temas que mais estão na moda. Isso não significa, no entanto, que quem decide investir nisso dará de cara com uma imediata fonte espetacular de dinheiro. Apesar de crescente, a adoção aqui é lenta, em comparação a regiões como a Califórnia (Estados Unidos), referência mundial na área.
O número de empresas aptas a fazer instalações de painéis fotovoltaicos, por outro lado, é alto, o que também é um ponto de atenção para quem pensa em entrar no setor. “Há mais de 6 mil empresas no Brasil que podem instalar painel na sua casa, do eletricista até grandes companhias multinacionais”, diz Susteras. Ou seja: a barreira de entrada para o empreendedor que quer atuar nesse mercado é baixa. “A gente tinha que criar algo diferente para não concorrer nesse oceano vermelho”, diz Susteras.
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A dupla resolveu, então, explorar o que impede a maior parte das pessoas de colocar painéis solares em seus telhados: o preço alto, o largo espaço necessário para instalar as placas e, em muitos casos, a posição desprivilegiada do edifício ou da casa, aonde luz do sol não chega. Susteras e Bueno montaram um negócio que permite que você, mesmo não tendo como instalar um painel na sua casa, se transforme em um consumidor de energia solar. Eles criaram uma planta de painéis fotovoltaicos em Araçoiaba da Serra, região metropolitana de Sorocaba, apta a gerar energia para 26 municípios do interior e do litoral do Estado de São Paulo. A entrega é feita por meio da rede da CPFL Piratininga.
O serviço da Sun Mobi, como foi batizada a empresa, funciona nos moldes de uma startup: o consumidor baixa o aplicativo da companhia, calcula a quantidade de energia que vai contratar de acordo com o histórico de consumo, assina o contrato e recebe os funcionários da empresa em casa para a instalação de pequenos sensores que informam o gasto de energia em tempo real. O contrato pode ser entendido como uma compra de créditos junto à distribuidora. Eles são abatidos na conta de luz. Se o cliente gastar 200 kilowatts por hora (kWh) e tiver contratado 250 kWh, ele fica com 50 kWh como crédito, que pode ser usado em até cinco anos. Se consumir mais do que o contratado, a distribuidora fornece a diferença.
Não é necessário que nenhum painel seja instalado na casa do consumidor. A geração de energia fica toda por conta da usina, que a repassa à CPFL. Para o consumidor, trata-se realmente de um esquema de compensação na conta. Quem mora no litoral certamente não recebe a corrente elétrica gerada pelos painéis de Araçoiaba da Serra (caso alguém esteja imaginando que a energia produzida pelas placas da startup caminhe livremente pelas linhas de transmissão da distribuidora até chegar à casa do cliente). Isso não ocorre. O cliente que compra um pacote da Sun Mobi recebe créditos referente à energia solar produzida pela startup.
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Apesar de não ser o dono do painel, o consumidor vira um incentivador da energia solar e obtém benefícios com isso, como a dispensa da bandeira tarifária, aquele acréscimo que surge na conta quando as termelétricas entram em ação no país. Hoje, a empresa tem 50 lares como usuários, e a expectativa é fechar o ano de 2018 com um faturamento de R$ 240 mil.
Pesquisa intensa
Antes de conquistar a confiança dessas 50 famílias, no entanto, Susteras e Bueno tiveram um longo trabalho de pesquisa e validação da ideia. A escolha do interior de São Paulo para instalação da planta não foi um chute. Além do alto potencial econômico e de uma irradiação solar favorável (o que não é bem o caso da capital paulista), a região apresenta um público consumidor considerado interessante por eles. “Fizemos entrevistas com potenciais consumidores e encontramos quatro grupos atraentes”, conta Bueno. São eles: 1) os entusiastas de novas tecnologias; 2) engenheiros ou pessoas sintonizadas com soluções de engenharia; 3) os ambientalmente responsáveis, que se preocupam com o impacto de suas ações no meio ambiente; e 4) os veganos, que têm um hábito sustentável global, da alimentação ao meio ambiente.
“É por isso que a gente meio que considera o interior de São Paulo como a Califórnia brasileira”, diz Bueno. E há ainda outro fator regional que favorece a startup: a energia no interior costuma ser mais cara do que na capital. Economizar é um interesse comum por lá. A média de economia entre os cliente da Sun Mobi é de 6%.
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Para o grupo dos amantes da tecnologia, a startup desenvolveu um aplicativo que permite ao usuário monitorar o consumo de energia. É possível detectar, assim, quem são os maiores “gastadores” de energia dentro de casa. Houve caso de um cliente de Itupeva, dono de casa com piscina e ar condicionado, que conseguiu reduzir a conta em 25% depois de analisar os dados coletados. Uma das providências que ele tomou: deixar o motor que aciona o filtro da piscina ligado por menos tempo (de 4 horas para 2 horas).
Paixão antiga
Susteras, de 37 anos, e Bueno, de 44, compartilham a paixão por energia há muito tempo. Eles se conheceram quando trabalharam na Duke Energy, há quase 20 anos. Susteras era analista de assuntos regulatórios e Bueno, analista de informação. Quase uma década mais tarde, depois de um período no exterior e uma experiência como superintendente de planejamento estratégico na Renova Energia, ele convidou Bueno para montar a startup com ele.
A dupla começou a desenvolver o projeto em 2016 e conseguiu o primeiro investimento em 2017. Um grupo de investidores composto por pessoas físicas desembolsou R$ 500 mil e apostou nos empreendedores. Com esse dinheiro, eles construíram a primeira fase da usina, com capacidade instalada de 8 mil kWh, e conseguiram 12 clientes (de outubro de 2017, quando ficou pronta a usina, até o fim daquele ano). Foi uma validação importante.
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“Durante nosso trabalho de busca por potenciais investidores, percebemos que a única forma de comprovarmos que nosso modelo de negócio funcionaria era por meio de um projeto piloto, um MVP (minimum viable product)”, dizem. Foi aí que vieram mais três investimentos: um de R$ 294,9 mil em março de 2018, feito pela Desenvolve SP; um de R$ 600 mil em abril, feito por investidores anjo; e outro de R$ 952 mil em agosto, feito pela Desenvolve SP.
Este último aporte permitiu a ampliação da capacidade instalada da planta para 42 mil kWh. A ideia da Sun Mobi é que essa capacidade cresça cinco vezes em um ano.
No momento, os empreendedores se preparam para construir uma nova planta num terreno de 20 mil metros quadrados, também no interior de São Paulo. Considerada uma enertech, termo que define a startup que usa tecnologia para melhorar serviços em energia, a Sun Mobi pretende ter mil clientes até 2020 e alcançar uma receita bruta anual de R$ 2 milhões até 2025.
Fonte: “Pequenas Empresas & Grandes Negócios”