Estudioso de carreiras, processos sucessórios e biografias profissionais, Joel Dutra – professor de gestão de pessoas da FEA-USP e da FIA – conta como surgiu o multitarefa:
Desde quando o mercado valoriza profissional multifuncional?
O profissional polivalente passou a ser importante em indústrias que atuam por encomenda, porque elas têm muitos equipamentos que são usados conforme a demanda. Então, é importante ter pessoa polivalente para operar diferentes equipamentos, se tornando mais produtiva ao atender diversas demandas.
E como esse profissional passou a atuar em outras áreas?
Com o tempo, essa ideia foi levada para atividades mais operacionais de áreas administrativas. Tornou-se importante as pessoas conhecerem o trabalho dos colegas para substituí-los em caso de ausência. Outro ganho é a pessoa ter visão do todo e do impacto do trabalho dela no dos demais.
O passo seguinte foi chegar aos executivos?
Sim, a proposta começou a ser levada para profissionais de nível superior, aqueles que atuam em atividades mais complexas e são estimulados a exercer atividades em diversas posições. Isso é interessante para a pessoa e também para a organização. Pode, no entanto, esbarrar em alguns equívocos.
Quais?
Por meio de pesquisas identificamos que as pessoas desenvolvem identidade profissional, principalmente em atuações que exigem formação universitária. Quando ela faz uma atividade diferente da sua, mas não muda sua natureza, seu mindset, tudo bem, porque terá a mesma identidade profissional.
Quando surge o problema?
Quando a pessoa muda de trajetória e deixa de fazer uma atividade fim para fazer atividade meio, essas mudanças são muito traumáticas e implica em fazer mudança de identidade.
Quais são as consequências?
Estudos mostram que esse tipo de mudança cria estresse muito forte, semelhante a uma separação conjugal, porque a pessoa tem de alterar muitas coisas dentro dela. Ela perde a conexão com sua identidade e a dimensão crítica do trabalho que realiza.
Então, é importante ser um profissional multifuncional?
O multiconhecimento é interessante. A rotação entre as áreas permite que a pessoa experimente diferentes posições e tenha visão mais sistêmica de seu trabalho. Essa pessoa pode desenvolver várias tarefas ao mesmo tempo, desde que sejam da mesma natureza e ela não precise abrir mão de sua identidade profissional.
São pessoas com esse perfil que o mercado busca?
O mercado busca pessoas com trajetória consistente dentro da mesma identidade. Quem atua na área de marketing, depois vai para a área financeira e em seguida supply chain, tem trajetórias completamente diferentes. Quando vai para o mercado, não sabe explicar qual é a sua identidade. Quem é generalista e faz tudo, conhece tudo superficialmente.
É bom ser especialista?
Tanto quem é muito generalista quanto quem é muito especialista e não tem a visão sistêmica, tem dificuldade de se colocar no mercado, que valoriza quem tem profundidade no que faz e visão ampla. Quanto mais ascende na carreira, mais é exigida a visão sistêmica. A pessoa tem de saber qual é o impacto de seu trabalho na atividade dos outros para ser mais contributiva para a organização.
Fonte: “O Estado de S. Paulo”.
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