A medida provisória (MP) que facilita a abertura e o funcionamento de empresas, anunciada pelo governo na terça-feira , vai na direção correta ao reduzir a burocracia e a insegurança jurídica e estimular o empreendedorismo, segundo especialistas e associações empresariais. Mas eles ponderam que a maioria dos pontos do texto depende de regulamentação, do aval de estados e municípios e da retomada econômica.
– O ambiente de negócios no Brasil é hostil à atividade empreendedora. São bem-vindas as ações voltadas para a simplificação – disse o presidente em exercício da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Paulo Afonso Ferreira.
Em nota, a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) disse que “longe de ser a solução definitiva, a MP constitui importante passo para a construção de um novo ambiente de negócios”. “É preciso aprová-la no Congresso e baixar normas para os pontos que precisam de regulamentação específica para, de fato, melhorar a competitividade das empresas”, acrescentou.
‘Catequese’ de prefeitos
Para a CNI, algumas das medidas exigirão um trabalho de “catequese” junto a estados e municípios. Um exemplo é o licenciamento de negócios de baixo risco, exigência abolida pela MP, mas que deverá ser regulamentada por legislações municipais.
— Há leis que não pegam no Brasil, e esperamos que esta não seja uma delas — disse Renata de Abreu Martins, do escritório Siqueira Castro.
Outros órgãos também precisarão dar seu aval às medidas. A MP determina que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dispense exigências para que companhias pequenas e médias acessem o mercado mais facilmente.
Em nota, a CVM afirmou que já vem tomando medidas para “aumentar a eficiência das regras do mercado” e que os pontos da MP “serão objeto de regulamentação, após as devidas reflexões, incluindo a análise de contribuições feitas no âmbito de audiência pública.”
Investidor anjo
Segundo Marina Procknor, advogada do Mattos Filho, as aberturas de capital na Bolsa brasileira se concentram em empresas grandes, devido a questões de custo, exigências regulatórias e demanda de investidores.
— É difícil antecipar o que a CVM vai fazer. Podemos ter um rito mais simplificado para abertura de capital, mas sempre levando em consideração a segurança do investidor.
Ela admite, porém, que o apetite do investidor internacional ainda é um principais fatores para determinar a demanda por aberturas de capital no país.
Para o advogado Cesar Amendolara, sócio do escritório paulistano Velloza, que costuma lidar diariamente com investidores estrangeiros aflitos com o cipoal de exigências do estado brasileiro na hora de trazer recursos ao país, uma das medidas mais importantes da MP é a de aprovar automaticamente pedidos da iniciativa privada junto ao governo nos casos em que o funcionalismo público não consegue apreciar a medida dentro do prazo.
— Essa aprovação automática vai ser muito abrangente e tem tudo para ser muito diferente do que a gente vê no país atualmente — diz Amendolara.
Para Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, a MP é um bom legado liberal do governo Bolsonaro e pode elevar a produtividade da mão de obra brasileira no médio e longo prazos:
— A MP coloca o Brasil num caminho semelhante ao de reformas liberais que Peru e Colômbia fizeram nos anos 90 e que explicam a robustez do crescimento econômico nesses dois países até hoje.
Para a ABStartups, associação de start-ups, outras ações são necessárias para simplificar, especificamente, problemas enfrentados pelo segmento, como a rigidez da legislação trabalhista ou a responsabilidade civil de investidores-anjo sobre prejuízos em falências, diz o presidente Amure Pinho.
Daniel Kalansky, do Instituto Brasileiro de Direito Empresarial, frisa outro ponto positivo da MP: a restrição da chamada desconsideração da personalidade jurídica, quando o patrimônio dos sócios é usado para pagar dívidas das empresas.
Atualização da Constituição
Para o advogado Luiz Wambier, sócio do Wambier, Yamasaki, Bevervanço & Lobo Advogados, e professor de Direito Processual Civil, a MP redesenha de forma moderna o artigo 170 da Constituição, que prevê que é “assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei”.
— A MP pega uma realidade de negócios já conhecida e traz contemporaneidade ao artigo 170 da Constituição — diz Wambier.
Ele avalia como um dos pontos fundamentais da MP a presunção de “boa fé”.
— Isso é fundamental nas relações pessoais, empresariais, em tudo. Nos negócios, normalmente há uma desconfiança em relação ao interlocutor. Parece que os brasileiros sempre partem da má fé. É o sujeito que tem que provar que não está de má fé, e isso é absurdo. A presunção de boa fé deve ser absoluta. E a má fé vai ser comprovada se houver uma conduta ou episódio que justifique.
Para o advogado Kenneth Ferreira, sócio das áreas de mercado de capitais, fintechs e privatizações do escritório TozziniFreire, a MP tem o mérito de desburocratizar e remover empecilhos para que as pessoas possam começar a empreender:
— São os princípios de uma economia liberal, com Estado mínimo e mais liberdade para empreender, com medidas como o arquivamento de documentos eletrônicos, permissão para testar produtos. A crítica que se faz é que que essas medidas tenham sido editadas em forma de Medida Provisória. Isso reduz o diálogo com as entidades impactadas, como o mercado financeiro, a sociedade em geral e o Congresso. É preciso observar como o Congresso e o Judiciário vão tratá-la.
Fonte: “O Globo”