Os avanços em governança corporativa no Brasil dependem de mudanças mais profundas do que as regras do mercado podem estabelecer. A conclusão é do professor da Universidade de São Paulo (USP) Alexandre Di Miceli da Silveira, que estuda o tema há 15 anos e lançou recentemente o livro “Governança corporativa no Brasil e no mundo”.
Membro do Comitê de Revisão do Código do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), o especialista avalia é preciso moldar ambientes que induzam as pessoas a pensar no longo prazo de maneira voluntária. Essa mudança, na visão de Di Miceli, depende essencialmente de novos líderes, acostumados à transparência e receptivos a críticas, características que ele não vê em boa parte das empresas brasileiras.
O Estado de S. Paulo: O que a Lava Jato mostrou ao país sobre o tema governança?
Alexandre Di Miceli da Silveira: O tema é relativamente antigo no país, mas ganhou importância maior nos últimos anos. E a Lava Jato mostrou que ainda temos muito a avançar. Há mais marketing do que boa governança. Assim como sustentabilidade e responsabilidade social, governança se tornou uma das expressões-chave que empresas não podem ignorar. Mas há uma distância grande entre proferir palavras de ordem e, de fato, praticá-las. Basta dizer que todas as empresas envolvidas na Lava Jato tinham áreas de governança.
O Estado de S. Paulo: Qual o motivo da Petrobras admitir, em uma ação a que responde nos EUA, que suas medidas de governança são ‘cosméticas’?
Di Miceli: Nos Estados Unidos, essa é uma linha de defesa que pode levar a penalidades menores. A empresa alega ter usado uma linguagem genérica, comum no mercado, para escapar da pena por enganar investidores. Mas isso sinaliza a forma como muitas empresas tratam o tema. Ficou o sentimento de que, embora a governança seja tema popular, é preciso avançar em matéria de conteúdo.
O Estado de S. Paulo: Então, o que fazer?
Di Miceli: Não existe uma “bala de prata” que faça todas as empresas terem boa governança, mas isso não quer dizer que é inútil ter regras. No caso do Novo Mercado, muitas empresas têm usado o segmento apenas para aparentar ter boa governança. A Bolsa precisa se reinventar. É preciso uma mudança de paradigma em relação ao que se espera de empresas, do administrador, e o peso que as lideranças têm que ter para fomentar uma boa cultura organizacional. O país avançou muito menos do que acha que avançou em governança.
O Estado de S. Paulo: Punições na Lava Jato podem contribuir neste processo?
Di Miceli: Sem dúvida. Mesmo no pior cenário, caso a Lava Jato seja anulada no STF, já avançamos. No caso da PF, as ações estão mais sofisticadas. Agora, a mentalidade no ambiente empresarial vai mudar? Acho que sim, mas vai demorar. Temos uma geração de empresários que não estão acostumados com transparência, prestação de contas, opiniões dissonantes e críticas. São pessoas que pararam no tempo. O nosso ambiente empresarial depende de novas lideranças.
O Estado de S. Paulo: A mudança, então, depende das próximas gerações dos líderes de organizações?
Di Miceli: Depende de uma nova mentalidade e de novas lideranças. Empresas vão surgir com essas novas lideranças, mas elas não serão a fatia principal, isso leva tempo. Já temos bons exemplos de empresas sintonizadas com o nosso tempo. Como dizia Peter Drucker (considerado o pai da administração moderna), não existe empresa forte em sociedade doente.
O Estado de S. Paulo: A mudança da governança no país seria mais sutil, cultural. Como uma empresa deve lidar com esse aspecto?
Di Miceli: Ninguém tem uma resposta clara sobre isso, mas é relativamente fácil para uma empresa disfarçar suas práticas usando a estrutura da boa governança. Em primeiro lugar, é preciso ter líderes comprometidos com a boa governança.
Fonte: O Estado de S. Paulo, 8/9/2015
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