BRASÍLIA – Enquanto declarações do “filho 03” do presidente Jair Bolsonaro deixaram o Brasil à beira de uma crise diplomática com a China, o setor empresarial tenta estreitar relações e ampliar o comércio brasileiro com seu maior parceiro nas exportações e importações.
Apesar de o atual governo ter se distanciado diplomaticamente dos chineses, um estudo que será lançado nesta quinta-feira, 26, pelo Conselho Empresarial Brasil-China (CEBC) sugere soluções que vão em caminho oposto, como a negociação de acordos comerciais e a ampliação da presença de representantes de instituições brasileiras no país asiático.
O documento “Bases para uma Estratégia de Longo Prazo do Brasil para a China” será lançado em um evento com participação do vice-presidente Hamilton Mourão. Ele, que tem sido escalado para cuidar de outros “desafios” do front externo, como a questão ambiental, é o representante brasileiro na Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban), que tem encontro marcado no ano que vem.
A ideia do estudo é dar linhas gerais para a estratégia de relacionamento do Brasil com a China. Na visão de especialistas no assunto, isso será importante apesar da troca de farpas entre o governo Bolsonaro e representantes chineses, que, acreditam, não chegou no comércio entre os dois países, que continua em alta.
Na terça-feira, a Embaixada da China em Brasília reagiu à acusação do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente Bolsonaro, de que o país praticaria espionagem por meio de sua rede de tecnologia 5G. Pequim acionou o Itamaraty para reclamar de publicação de Eduardo no Twitter, que acabou sendo apagada por ele posteriormente.
“Uma declaração pode gerar reações, mas, embora ele seja parlamentar, não foi uma declaração oficial, foi um tuíte que foi apagado poucas horas depois. Pode até causar algum tipo de frisson, mas não acredito que abale as estruturas das relações”, pondera o presidente do CBEC, Luiz Augusto de Castro Neves.
Para Castro Neves, as escolhas brasileiras relacionadas à tecnologia 5G, por outro lado, poderão sim acabar respingando nas relações comerciais entre os dois países. “A China tem tradição de relações holísticas, um fenômeno interfere no outro. Nesse sentido, o importante é que a escolha brasileira seja feito pesando pós e contras de segurança nacional, comercial, técnico, de relações internacionais.”
Estudo
De acordo com Castro Neves, a ideia do estudo foi identificar as “enormes janelas de oportunidade” que a China oferece na área comercial. “O objetivo é mostrar que podemos ganhar mais na relação com a China, que pode contribuir mais para o nosso desenvolvimento”, completa a economista e diplomata Tatiana Rosito, especialista em Ásia e responsável pelo documento.
Uma das conclusões é que é necessário dar uma “moldura formal” para a relação entre os dois países, o que seria possível por meio de acordos como de facilitação de comércio, investimentos e bitributação. “Se nós não tivermos elementos objetivos colocados, como acordos comerciais e regulatórios, é muito difícil diversificar e agregar a pauta de exportações brasileira”, completa Tatiana.
Ela explica que esses acordos podem, por exemplo, passar pelo reconhecimento de exportadores autorizados entre os dois países, o que agilizaria o desembaraço de cargas nos portos chineses e vice-versa. Além disso, acordos sanitários podem facilitar os embarques de itens como carnes e frango e ampliar o alcance desses produtos no mercado chinês. “Mesmo que se comece uma negociação de um acordo, por exemplo, pode-se levar dez anos para ser concluído. O importante é definir estratégias e iniciar o caminho.”
Em relação à tecnologia 5G, o documento afirma que a decisão do Brasil em relação ao modelo que será adotado “constituirá um marco importante para o posicionamento brasileiro em relação ao binômio economia-segurança e à própria rivalidade estratégica China-EUA”.
O governo Bolsonaro vem sendo pressionado pelos americanos a deixar de fora do leilão a empresa chinesa Huawei. “Tudo depende da forma que as coisas são apresentadas, se será algo horizontal ou se terá certa discriminação. Está tudo muito incerto neste momento”, completa Tatiana.
O estudo aponta ainda a necessidade de ampliar e reforçar a presença institucional brasileira na China. O documento também sugere “campanha de imagem” que faça o Brasil ser mais conhecido nos mercados chineses. Por enquanto, no entanto, a campanha que tem sido feita nas redes sociais pode acabar tendo o efeito contrário do desejado pelos empresários.
Fonte: “Estadão”, 26/11/2020
Foto: Reprodução