A política industrial é a estratégia de intervenção para fomentar setores que, na ausência da política, não existiriam ou ficariam atrofiados quando à sociedade interessa que existam. Política industrial corrige alguma falha de mercado.
Acemoglu e Robinson dizem: “No mundo real, as economias são crivadas por falhas de mercado, de modo que um governo benevolente e onipotente pode intervir bastante de forma sensata”.
Fontes de energia limpa — solar, por exemplo — seriam viáveis se os consumidores pagassem todos os custos da energia suja (térmica, por exemplo). Deixado à própria sorte, o mercado entrega menos energia limpa do que a sociedade gostaria.
A poluição é mais cara do que a diferença de custos entre as energias solar e térmica. Subsidiar a energia solar é bom negócio para a sociedade, ainda que não o seja para o produtor sem subsídio.
Nesse nível de generalidade, a ideia é sólida. Daí a justificar a escalada dirigista são outros quinhentos.
Metade do crédito passou a ser direcionada pelo governo para setores que julga meritórios. As justificativas eram vagas ou erradas. Entre as vagas: “Adensar a cadeia produtiva”. Entre as erradas: “Obras no exterior empregam engenheiros brasileiros”. Faltava engenheiro no Brasil.
A outra metade, que toma emprestado no guichê sem ajuda, paga a conta na forma de juro mais alto.
Há mais de 40 regimes tributários especiais para setores “estratégicos”. Não faltou isenção tributária para estimular o investimento. Qual a falha de mercado em cada caso?Os sem-isenção, na fila do ponto de ônibus e do SUS, pagam a conta.
A escalada dirigista não corrigiu falhas de mercado. Comprometeram-se as contas do governo sem aumentar a capacidade de produção. A produtividade patinou, e a conta veio na forma de uma recessão brutal.
Acemoglu e Robinson também dizem: “Quem já encontrou um governo benevolente e onipotente?”.
O empresariado reclama com razão. Oferecemos capital caro (para os que estão no guichê errado), legislação trabalhista engessada, sistema tributário kafkiano, burocracia e infraestrutura precária.
Aí reparamos com isenções tributárias, empréstimos subsidiados (no guichê correto) e políticas de proteção (como conteúdo local). Para compensar a calçada esburacada, criamos uma muleta disfarçada de política industrial.
O certo é consertar a calçada e retirar a muleta: simplificar a estrutura tributária, avançar na reforma trabalhista, reduzir o custo de fazer negócios e diminuir, para todos e de maneira sustentável, a taxa de juro (e com isso o custo de capital para o investimento). Essa é a agenda do crescimento sustentável.
Boa notícia: já começamos. O controle da inflação permitirá a queda do juro.
A alocação do crédito subsidiado melhorou. A nova política operacional do BNDES tem critérios claros para a concessão de empréstimos subsidiados. A fração de financiamento com juro subsidiado é mais alta para projetos de energia limpa e saneamento, cujo benefício social é claramente maior do que o privado (há falha de mercado). A fração dos projetos com empréstimo subsidiado diminuiu, e o subsídio está mais horizontal.
A política do BNDES se aproximou das práticas de bancos de desenvolvimento como o KFW alemão. O KFW tem políticas horizontais, taxas de juros de mercado e subsídio para casos em que há falhas claras de mercado (energia renovável e mobilidade, por exemplo). Não há estímulo para o conteúdo local.
A agenda que permite retirar a muleta está em curso. Avancemos com cautela pois a calçada segue esburacada, mas avancemos. O país tem grandes empresários que não precisam de muleta, mas sim de condições adequadas para fazer negócio.
Fonte: “Folha de S. Paulo”, 17 de fevereiro de 2017.
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