A crise chegou. Juros altos, encolhimento do PIB, desvalorização do real, aumento do desemprego e queda no consumo compõem o pior momento dos últimos 20 anos, na avaliação dos economistas. O que farão os empresários brasileiros? A maioria vai diminuir a capacidade produtiva, demitir, rever planos e controlar mais os gastos. Ou seja, guardar energias — e capital — até o fim da tormenta.
De acordo com uma sondagem sobre investimentos do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre), da Fundação Getulio Vargas, divulgada em meados de junho, 82% dos gestores de empresas consultados não pretendem investir neste ano — ou afirmam que vão investir menos do que previam anteriormente.
Mas há quem, desde já, escolha uma alternativa: acelerar os negócios. Segundo o Ibre, é isso o que os outros 18% dos entrevistados pretendem fazer. Parte desses empresários espera crescer durante a crise. Pode soar contraditório, mas, em alguns setores, um cenário ruim como o atual oferece oportunidades para a expansão
“Um ambiente de degradação econômica é hostil para a maioria do empresariado”, afirma Paulo Furquim, professor da escola de negócios Insper, de São Paulo. “Mas para os pacientes, que aguardam a melhor ocasião para agir, é o habitat perfeito.”
Comprar ativos na baixa para vendê-los na alta é uma forma de lucrar com a situação. Endividadas e com a oferta de crédito limitada a linhas que cobram juros altos, muitas empresas precisam vender ativos para equilibrar as contas — frequentemente por valores abaixo dos praticados há cinco anos, quando os preços estavam turbinados pela fase de crescimento acelerado da economia brasileira.
Fundada em 2006, a incorporadora paulistana Alianza é uma das companhias que estão aproveitando para fechar esse tipo de negócio. “No ano passado, abrimos uma gestora de fundos imobiliários para financiar empreendimentos que estavam parados por causa da escassez de crédito”, diz Alberto Sausson, um dos sócios da empresa.
Neste ano, segundo ele, a Alianza vai investir 60% mais do que no ano passado. Os recursos serão aplicados em duas frentes. A primeira é a compra de casas e apartamentos encalhados nas construtoras, dispostas a se desfazer deles por preço mais baixo. Sausson espera revender as residências com lucro quando houver uma recuperação do mercado.
A outra frente é a aquisição de imóveis que hoje pertencem a grandes companhias e depois alugá-los aos ex-donos, que continuariam a ocupar os imóveis. “Essa operação é uma maneira que as empresas têm para fazer dinheiro sem recorrer a empréstimos”, afirma Sausson.
O economista Alexandre Nobre também tenta aproveitar a crise. Ele é o fundador da RCB Investimentos, criada em 2008. Seu negócio: adquirir com desconto carteiras de crédito vencido de bancos e financeiras e se encarregar da cobrança — a RCB lucra se conseguir cobrar dos devedores mais do que pagou aos bancos pelo direito de receber as dívidas.
De olho no estrago causado pelo aumento da inadimplência, que hoje afeta quatro entre dez brasileiros, a RCB pretende ampliar 30% sua participação no mercado até o fim do ano. “Não crescemos em cima da desgraça alheia, como muitos podem pensar”, diz Nobre. “Somos parceiros de bancos e instituições, que preferem vender essas dívidas a preço baixo do que perder tempo e dinheiro com operações de cobrança.”
A compra de dívida em atraso por fundos como a RCB movimentou no ano passado cerca de 15 bilhões de reais — em 2015, esse mercado deverá girar de 23 bilhões a 25 bilhões de reais. Trata-se de um investimento de alto risco, mas que pode proporcionar ganhos de até 40% ao ano. Neste ano, a RCB vai concentrar os esforços na aquisição de carteiras em atraso de financiamento de veículos, empréstimos ao consumidor, dívidas de pequenas e médias empresas e créditos imobiliários.
Visão e preparo
Em tempos ruins, consultores e líderes não cansam de falar que “em toda crise há oportunidades” — o presidente americano John Kennedy foi um dos principais divulgadores do bordão, citado à exaustão em seus discursos a fim de elevar o ânimo dos eleitores. Como todo o clichê, porém, trata-se apenas de meia verdade. Crises profundas levam mais empresas à bancarrota do que ao sucesso.
“São poucas as que conseguem enxergar essas oportunidades”, diz Furquim, do Insper. “Mas aqueles que as encontram podem se dar muitíssimo bem.” Não faltam registros desses feitos. O mundo dos negócios está cheio de histórias de gente que soube aproveitar as piores crises para inovar, investir e lançar produtos e alcançar o sucesso.
Uma das mais lendárias gira em torno de Thomas Watson, executivo da IBM que no auge da recessão provocada pelo crash da bolsa de Nova York de 1929 investiu 6% do faturamento da empresa num centro de pesquisas. Para muita gente, parecia maluquice. Mas, graças à iniciativa de Watson, a IBM foi a única empresa capaz de desenvolver um sistema para processar os dados de 28 milhões de cidadãos beneficiados pela lei do seguro social americano, aprovada em 1935.
De nada adianta, porém, ter uma ideia genial para lucrar em épocas de vacas magras quando a empresa não está preparada, cheia de dívidas e sem crédito. Para crescer em períodos de retração, antes de tudo, é necessário ter condições para prosperar. “De preferência, estar com as contas em dia, planejar com antecedência e ter agilidade para mudar de planos rapidamente sem desestruturar toda a empresa”, afirma João Appolinário, presidente da rede de lojas de eletrodomésticos Polishop.
Mesmo com o consumo em queda, ele projeta crescer a taxas de dois dígitos neste ano. A Polishop, atualmente com 212 lojas, deverá investir 45 milhões de reais para abrir 50 pontos de venda.
“Se o consumidor não tem dinheiro para jantar fora, ele pode comprar um grill ou investir num aparelho de ginástica se estiver faltando dinheiro para pagar a mensalidade da academia”, afirma Appolinário. Em outras palavras, tem mais condições de crescer na crise aqueles que aproveitaram bem os tempos de bonança.
Fonte: Exame.
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