BRASÍLIA e SÃO PAULO – Um executivo presente à reunião entre empresas e membros de três ministérios sobre a vacinação contra a covid-19, na semana passada, disse ter saído “aliviado” do encontro. Na ocasião, o governo garantiu ter o controle da situação, tanto no estoque de vacinas quanto para a entrega dos imunizantes. Após o barulho político e as dificuldades do governo em garantir vacinas, porém, a impressão mudou. Empresários entrevistados pelo Estadão dizem estar dispostos a ajudar a agilizar a vacinação, mas se irritaram com os “improvisos” e cobram clareza da situação para poderem ajudar.
Segundo Pedro Passos, cofundador da gigante dos cosméticos Natura, o “empresariado como um todo está atônito porque a desinformação que vem do governo central é muito grande”. “A sensação é que há muito improviso. E isso assusta. Temos de vacinar 200 milhões de pessoas. E, como só devemos ter vacina em quantidade em dois meses, se tudo der certo, teremos de imunizar 1 milhão de pessoas por dia para terminar a vacinação em 2021. É um desafio gigante”, afirma.
Segundo empresários da indústria e do comércio ouvidos pela reportagem, depois da reunião com o governo na semana passada, ficou claro que o governo tenta vender a ideia de que a situação da vacina está sob controle quando essa não é a realidade. Por isso, a credibilidade do que o Planalto diz está abalada.
No encontro promovido pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), representantes de três ministérios – o ministro-chefe da Casa Civil, general Braga Netto; o ministro das Comunicações, Fábio Faria; e o secretário-geral do Ministério da Saúde, Élcio Franco – chegaram a dizer que o País teria 500 milhões de doses contratadas. Além disso, dispensaram a oferta do setor privado para adquirir vacinas.
Um dia após a reunião, o governo fracassou em importar 2 milhões de doses da Índia, apesar de ter mobilizado um avião da Azul para esse fim. A previsão é que as doses da vacina da parceria entre Oxford e AstraZeneca comecem a chegar hoje.
Após os anúncios e recuos ao longo dos últimos sete dias – que incluíram também novas polêmicas entre poderes e risco de desabastecimento da Coronavac –, parte do setor produtivo quer “ver para crer”. “O que adianta colocar minha estrutura à disposição se não há vacina para distribuir?”, diz o presidente de uma empresa com 40 mil funcionários e atuação em todo o Brasil. “Com a quantidade de vacinas que temos, o governo consegue dar conta de distribuir sozinho.”
Diante das idas e vindas, e da insistência do governo em propagar o tratamento precoce para a covid-19 – receita comprovadamente ineficaz, segundo cientistas –, há companhias que prefiram tomar suas próprias medidas sem se associar à administração central. “Estamos tomando algumas ações na ‘moita’. Infelizmente, hoje no Brasil é assim”, disse o executivo de uma grande indústria.
A disposição das empresas em se mobilizar sem intermediação oficial ficou clara ontem, com o anúncio de que 15 grandes empresas – entre elas Weg, Renner, Magazine Luiza, Mercado Livre, Ambev e Nestlé – se uniram para doar R$ 1,6 milhão ao programa Unidos Contra a Covid-19, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), para a criação de uma usina de produção de oxigênio a ser destinado aos hospitais do Estado do Amazonas.
O porta-voz da Confederação Nacional das Indústrias (CNI) para a covid-19, Rafael Lucchesi, diretor-geral do Senai, reforçou, porém, que os governos lideram a agenda de saúde pública no mundo todo. “A posição da CNI é que a vacina é uma prioridade absoluta para dar segurança aos indivíduos e para o resgate da normalidade social, econômica e produtiva”, afirma. “Tem de ser a prioridade zero do governo federal.”
Fonte: “Estadão”, 22/01/2021
Foto: Pedro de Paula/Código19