O conceito não é novo, os primeiros registros confiáveis do fenômeno, em tempos recentes, vêm do Japão, nos anos 1980, quando o sistema bancário se viu tomado pelo problema: eram muitos empréstimos para empresas insolventes, sem perspectiva nem patrimônio, mas sem cobrança nem reconhecimento de perda. Empresas e bancos zumbis em conluio seguiram manquitolando durante anos a fio, às vezes ajudadas por artificialismos governamentais – subsídios, proteções e facilidades regulatórias –, que serviram para prolongar a agonia e piorar o desfecho.
A crise japonesa acabou sendo das piores que se tem notícia nesse planeta.
O primeiro desafio para quem estuda o fenômeno é o de definir um zumbi, assunto bem menos simples do que parece, pois é como responder a uma pergunta difícil, e típica, referente a empresas com problemas: é liquidez ou solvência? Temporário ou permanente?
Não é verdade que a condição de zumbi tenha que ver com um vírus; Hollywood chegou a explorar essa possibilidade, mas, no tocante a empresas, o exame básico normalmente adotado procura identificar um endividamento irrazoável, revelado, por exemplo, por uma geração de caixa persistentemente inferior ao serviço da dívida (conforme aferido por uma “média móvel”, digamos).
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Observando a trajetória de 32 mil empresas listadas em 14 países da OCDE entre 1980 e 2017, um estudo encontrou enormes quantidades de zumbis, mas observou que muitas dessas empresas ficaram curadas (em cerca de 60% dos casos), que houve alguma reinfecção, que a taxa de fatalidade se mostrou estável, em cerca de 25%, e que as empresas zumbis, em média, são menores (embora existam algumas bem grandes), menos rentáveis e de produtividade muito inferior, quando comparadas às outras.
Diante desses achados, alguns dos governos do Hemisfério Norte começaram a estudar formas de diminuir o tamanho dessa população, preferencialmente através da saída do mercado. Assunto sensível: a tese era de que a proliferação de zumbis deprimia a produtividade e diminuía o produto potencial.
A ideia era remover obstáculos artificiais ao processo de destruição criadora, o modus operandi básico de uma economia dinâmica, e que não pode ser detido, mais ou menos como a natureza não pode funcionar direito sem Charles Darwin. O problema segue sendo o do desemprego resultante das empresas que fecham, e das profissões que desaparecem, como tratar?
Bem, mas o que essas controvérsias do Hemisfério Norte têm a ver conosco?
Não há dúvida que o assunto ficou mais próximo, e que a crise da covid, com as dúvidas que trouxe sobre o “novo normal”, sobre suas implicações setoriais e sobre os efeitos das linhas oficiais subsidiadas, inclusive um “afrouxamento quantitativo” tupiniquim, pode ter facilitado a disseminação do fenômeno no País.
Não temos dados detalhados como os europeus, mas numa primeira observação, no universo de companhias abertas, já se nota um contraste com a experiência europeia: enquanto lá, eles se preocupam com o fato de o porcentual de zumbis, dentre as empresas abertas, ter subido de 4% para 15% do final dos anos 1980 para 2017, aqui não há muita movimentação nos últimos anos, mas o nível é muito mais alto, cerca de 35%, para empresas listadas, a julgar pelo “teste” (1 >EBIT/serviço da dívida).
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Em si, esse porcentual parece preocupante (possivelmente, pior para pequenas e médias empresas), ressalvadas as limitações da tecnologia de testagem e a frequência de “falsos positivos” e peculiaridades brasileiras.
Entretanto, sabe-se que o ambiente de negócios aqui é mais hostil que o europeu, sobretudo nos quesitos de juros e impostos, o que poderia explicar boa parte dessa diferença, mas fica o desafio de melhorar o teste, de acoplar na conta os diversos Refis, bem como de incorporar na nossa métrica o seletivismo que é parte integrante na nossa cultura de políticas públicas para o meio empresarial.
Há muito a discutir sobre o exato tamanho do fenômeno no Brasil, e o que fazer diante do problema, muito assunto para os próximos episódios.
Fonte: “G1”, 27/9/2020
Foto: Getty Imagens