* Por Pedro Fernando Nery
A demanda por redução dos tributos sobre a gasolina mostra como vai ser difícil a implementação de uma agenda ambiental nos próximos anos. Se os governadores reduzirem o ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) sobre o combustível, a fim de barateá-lo, estarão na prática concedendo um subsídio ao carbono. O que os economistas especialistas em mudança climática desejam é o contrário: a tributação do carbono. Justamente para encarecer e desestimular o consumo de produtos como a gasolina. Como com outras políticas ambientais, na questão dos combustíveis também há o risco de que os mais pobres sejam os mais onerados.
O crescimento da economia se relaciona com a mudança climática tanto porque é uma de suas causas (já que tem como subproduto a emissão de poluentes), quanto porque será afetado como consequência (já que a mudança destruirá ativos, alterará o retorno de várias atividades e causará migrações). Encarecer o carbono afeta o crescimento da economia hoje, mas pode beneficiá-lo amanhã.
Vamos começar do início, com a explicação de William Nordhaus, prêmio Nobel em economia pelo seu trabalho sobre clima: “A fonte mais importante e duradoura do aquecimento global é a queima de combustíveis fósseis como carvão, petróleo e gás natural, o que leva à emissão de dióxido de carbono (CO2). Gases como o CO2 se acumulam na atmosfera e aí permanecem por muito tempo. Concentrações atmosféricas mais altas desses gases levam ao aquecimento da superfície da Terra e dos oceanos”.
Nordhaus continua: “Os efeitos de aquecimentos iniciais são amplificados por efeitos de feedback na atmosfera, oceanos e mantos de gelo. Os impactos resultantes se dão inclusive em extremos de temperatura, padrões de chuva, localização e frequência de tempestades, fluxo de rios, disponibilidade de água. Cada um deles terá impactos profundos nas atividades biológicas e humanas sensíveis ao clima”.
Por isso, existe um grande interesse em encontrar o preço certo para o carbono, e um tributo seria a forma de chegar lá. O influente economista Daron Acemoglu advoga que um imposto sobre o carbono deve ser a espinha dorsal de qualquer política climática: “Um imposto sobre o carbono adequadamente alto estabeleceria um preço previsível para o prejuízo que atividades econômicas intensivas em carbono infligem à humanidade, assim estimulando empresas e domicílios a se afastarem de atividades que emitem carbono”.
A sustentabilidade política da medida é evidentemente difícil: a alta da gasolina impacta diferentes modos de transporte, alimenta a inflação e é impopular. Ninguém está celebrando a possível redução na queima do combustível fóssil decorrente da alta dos preços – nem mesmo os políticos ligados à agenda ambiental. A demanda que surge é de cortar o ICMS sobre a gasolina: ou seja, o movimento inverso de um imposto verde.
Mas os efeitos narrados por Nordhaus vão pegar a economia brasileira como poucas. Nas estimativas de Solomon Hsiang e Marshall Burk, da Universidade de Berkeley (Estados Unidos), os países do G-20 cujo Produto Interno Bruto (PIB) será mais impactado pela mudança climática são Brasil, Índia, Indonésia e Arábia Saudita. Nordhaus defende que a taxação do carbono seja crescente no tempo, permitindo que a população se adapte gradualmente.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) configurou uma proposta para o Brasil, em que seria instituída a Cide Carbono, incidindo sobre combustíveis e também sobre rebanhos de gado. Não apenas a gasolina, mas a carne também ficaria mais cara.
Este é um desafio de vários instrumentos da política ambiental: a possível regressividade. Tributos que incidem sobre o consumo, por exemplo, tendem a recair mais sobre os mais pobres, que destinam parcela maior de sua renda ao consumo de produtos.
Carbono neutro: quais os impactos dessa nova tendência para a economia?
Uma ilustração é imaginar quem teria maior facilidade de ir de bicicleta ao trabalho: o rico ou o pobre? Ou como aumentar intencionalmente o preço de uma proteína em um país em que a fome voltou? O debate do preço do carbono é um debate do século 21, e o Brasil atual parece muito distante.
Fonte: “Estadão”, 05/10/2021
Foto: Werther Santana/Estadão