No exterior, Donald Trump continuava aprontando das suas, numa política externa caótica, na contramão do bom senso, autorizando uma dura política migratória, mas depois recuando, e em permanente embate com a China, visando reverter um déficit comercial, que no ano passado passou de US$ 375 bilhões, segundo fontes norte-americanas.
No Brasil, acompanhamos de perto o comportamento da taxa de câmbio, estressada por uma série de fatores (internos e externos) e a condução cautelosa do BACEN no balizamento da taxa de juros. Tivemos reunião do Copom e Ilan Godfajn, desta vez, resolveu “ancorar as expectativas”, mantendo o juro em 6,5%, em sintonia com o mercado.
Meio que “em cima do muro”, disse que o juro se manteria estável por enquanto, já que a economia seguia fraca e a capacidade ociosa entre 25% e 30%, inibindo possíveis repasses de custo para os preços finais, já que a demanda é fraca. Na visão do BACEN, importante será aguardar os próximos acontecimentos, como deve evoluir a cena externa, para então se ter um retrato mais claro sobre esta “dosagem atual da taxa de juro”.
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A taxa de câmbio, que chegou a R$ 3,80/3,90 nos momentos de maior surto especulativo, passou a se estabilizar um pouco nas últimas semanas, na passada em torno de R$ 3,74, em muito pela forte atuação do BACEN, que passou a “pesar a mão” nas suas intervenções. Definiu em US$ 10 bilhões semanais as colocações de contratos de swap cambial, defendendo ter contas externas confortáveis e volume de reservas cambiais cobrindo mais de um ano de importações (US$ 382 bilhões), o que neutralizaria qualquer aposta mais pesada do mercado. O problema é que nada garante que o câmbio se mantenha no patamar atual por muito mais tempo.
Nos EUA o Fed segue na sua política de gradual aperto monetário. Deve realizar quatro ajustes do Fed Funds neste ano, no ano que vem entre dois e três. Na tal normalização da política monetária, a taxa deve então parar nos 3,0% anuais, dada a sinalização dos T Bonds de 10 anos, mais demandados, nas últimas semanas entre 2,7% e 3,1% anuais.
Para o economista da PUC, Márcio Garcia, as intervenções do BACEN no mercado cambial desempenham o seu papel, “corrigindo problemas na formação de preços e, ao mesmo tempo, permitindo que o real siga em trajetória de desvalorização, a exemplo das moedas emergentes”. Para ele, “o real tem se comportado de maneira esperada, em linha com o cenário externo”.
Num estudo, ele reforçou isso ao criar um “câmbio sintético”, baseado numa cesta de moeda de alguns emergentes, chegando à conclusão que o real tem se depreciado meio em linha com esta cesta. Ambos, o câmbio sintético e o real, haviam passado de R$ 3,30 em fins de abril para R$ 3,70, quando o BACEN brasileiro atuou de forma mais suave. Primeiro definiu intervenções diárias em US$ 250 milhões (rações). Diante da inoperância desta estratégia, resolveu atuar com a “mão mais pesada”. Primeiro, anunciou US$ 25 bilhões na primeira semana, depois US$ 10 bilhões nas seguintes, o que acabou trazendo o dólar a um patamar mais estável, em torno de R$ 3,70 a R$ 3,75.
Na visão de Garcia, conseguir estabilizar o câmbio, por estes dias e acabou essencial para acalmar os mercados diante da proximidade da reunião do Copom. De fato, iniciamos a semana passada com o dólar mais comportado, o que colaborou para a manutenção da Selic nos 6,5%, decisão esta considerada acertada. Em regimes flutuantes o BACEN possui as ferramentas apropriadas para “amortecer” o câmbio, mas estas podem se tornar limitadas se a tendência global da moeda norte-americana for de alta.
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Em análise, as intervenções podem ser “não esterilizadas”, com o BACEN vendendo dólares em troca de reais. A liquidez doméstica se reduz e o juro sobe, no intuito de atrair recursos externos e segurar o câmbio no nível desejado. Este caso se aplica, no entanto, aos regimes de câmbio fixo, administrado ou de bandas. Sendo assim, o juro acaba elevado para estabilizar o câmbio.
No caso do sistema de metas de inflação, com câmbio flutuante, o que se tem são “intervenções esterilizadas”. As vendas de dólares atuam para retirar recursos do mercado, mas com a “outra mão” repondo a liquidez e mantendo o juro sob controle. Estas intervenções mexem com o câmbio. Um estudo citado por Garcia, com dados de intervenções em 33 países, mostra que 80% lograram êxito a partir deste modelo (o mesmo em voga no Brasil).
Neste, importante que as intervenções sejam pesadas (com muitos recursos), sejam públicas e se direcionando para os fundamentos. Isso significa que o BACEN não deve forçar a queda do dólar, se a tendência deste for de alta. Deve, isso sim, mitigar esta alta. Passa a ser desafio para a autoridade monetária, intervir no mercado, mas tendo o apoio dos seus participantes. Este elo de confiança precisa ser então estabelecido.
Outro desafio será começar a desmontar estas intervenções, reduzindo-as num ambiente de maior calmaria. Lembremos que as vendas de contratos swap no futuro já foram realizadas no passado recente, chegando a US$ 124 bilhões, quando a inflação era bem mais elevada do que a atual (6,2% contra 3,7%). Agora, com a inflação em patamar mais baixo, as intervenções do BACEN tendem a ser relativizadas, talvez acalmando o mercado.
Por fim, voltando ao comunicado do BACEN, sobre a decisão do Copom na semana passada, a mensagem de fundo permaneceu a mesma: manter uma política monetária não mecânica, atenta aos “efeitos secundários dos choques inflacionários”, mitigados pelas expectativas ancoradas e a ociosidade da indústria. Isso nos leva a acreditar, por enquanto, que nada muda. Aguardemos os próximos passos do BACEN, diante dos indicadores econômicos, da inflação e do desafiante cenário externo.
Trajetória do câmbio antes e depois das “intervenções mais pesadas”