A divulgação dos resultados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) por escola referentes ao ano de 2014 evidenciou as consequências de uma lacuna grave no Brasil. Tanto nos colégios estaduais quanto nos particulares que tiveram suas médias no exame divulgadas pelo Ministério da Educação (MEC) anteontem, chega a 40% o índice de professores de ensino médio sem formação adequada para dar aulas na disciplina que lecionam. Ocorre que, ao cruzar os dados sobre a taxa de formação adequada dos professores com as pontuações das escolas, percebe-se uma clara ligação com o desempenho dos estudantes. Ou seja, na média, quanto maior a proporção de docentes com formação correta, melhor o desempenho dos estudante.
Confira o percentual de professores com formação adequada por escola do Rio.
Diversos fatores influenciam diretamente o desempenho dos alunos, como perfil socioeconômico e escolaridade dos pais. A diretora-executiva do Movimento Todos Pela Educação, Priscila Cruz, acrescenta que a qualificação dos professores também é determinante para os resultados desses estudantes. Afinal, como ela destaca, “não há como ter uma educação superior à qualidade dos professores que atuam nas salas de aula”.
— Por isso, é muito importante que os pais tenham acesso a essa informação. Munidos de dados como esses, eles podem levar essa discussão às escolas e cobrar soluções em reuniões, por exemplo — recomenda.
De acordo com ela, as consequências desse tipo de desvio na atuação dos profissionais podem ser variadas, porém são mais graves quando não há diálogo entre a área de formação do professor e a disciplina que ele ministra. É o caso de um profissional de Humanas que atue em Exatas.
— Um bom professor precisa somar domínio sobre a disciplina que leciona, uma boa metodologia e capacidade de gestão da turma. Quando o professor vem de outra área, o primeiro tópico já sai prejudicado — observa.
Priscila destaca também o fato de esse não ser um problema exclusivo das instituições públicas. Como mostram os próprios dados divulgados pelo MEC, se o total de professores com formação adequada no ensino médio na rede pública é de 60,02%, na privada o índice é pouco maior: 61,28%.
— Estamos falando de um problema que não escolhe a rede. Até porque muitos estados oferecem condições de trabalho mais atraentes em suas redes públicas. Os colégios particulares que pagam bons salários são minoria — avalia Priscila.
O coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara, lembra que uma análise mais criteriosa dos resultados do Enem mostra que as escolas públicas que conseguem os melhores desempenhos são justamente aquelas com uma agenda completa de formação de professores e salários atraentes. E essa formação, inclusive, vai muito além do domínio da disciplina lecionada:
— O bom professor é aquele que faz com que o aluno queira aprender. E um profissional com boa formação tem essa capacidade. Ele consegue deixar o assunto tão interessante que o aluno quer mais. Ele sabe gerir uma turma.
Reforço na gestão
E isso tanto Cara quanto Priscila concordam que passa pela boa gestão escolar, assunto que precisa ganhar mais espaço no dia a dia dos colégios. A boa notícia é que não se trata de algo atrelado a trabalhos de alta complexidade.
— Trata-se de zelar por um bom clima no ambiente de trabalho, ter professores mais motivados, que faltem menos, e diretores que permaneçam no comando por um período considerável. Não são grandes piruetas. É fazer o básico bem feito — sugere Priscila.
No recorte do Rio de Janeiro, os dados divulgados pelo MEC mostraram que a rede pública do estado tem um índice de 65% de professores com formação adequada no ensino médio. Na rede particular, a marca é de 67,1%. Ambas ficam acima das médias nacionais, mas não deixam de configurar um importante desafio a ser superado.
Para o secretário estadual de Educação, Antônio Neto, esse é um problema nacional, com origem no histórico da carreira do magistério no país:
— Embora tenha havido avanços salariais, essa área ainda não atrai muitos jovens. Então, temos dificuldade de garantir professores com a formação adequada para todas as disciplinas. A própria matriz do ensino médio é muito pesada, com 13 disciplinas diferentes. Portanto, há uma dificuldade em encontrar professores para todas elas.
Segundo ele, avaliações de desempenho já mostravam que existe uma correlação direta entre a dificuldade que o professor tem de ministrar aquele componente curricular e a deficiência que o aluno apresenta na disciplina.
Para atacar esse problema, a pasta tem investido na formação continuada desses profissionais, bem como no acompanhamento minucioso do ambiente escolar. Para isso, foi criada este ano a Ação Integrada de Acompanhamento, que reúne equipes de monitoramento dos trabalhos executados pelas escolas em diferentes frentes.
— É o caso dos agentes de acompanhamento de gestão escolar. São aproximadamente 250 profissionais, que cumprem uma rotina semanal de visitação a escolas e orientação sobre as ferramentas de gestão escolar disponíveis. Eles vão às unidades e, a partir de um diagnóstico, criam planos para o enfrentamento dos problemas — ilustra o secretário.
Por meio de nota, a secretaria acrescentou que, em virtude da carência histórica de professores em Matemática, Química, Física e Biologia, o Conselho Nacional de Educação determinou que, quando necessário, os docentes dessas disciplinas possam atuar em áreas afins. Para isso, o profissional precisa atender a determinados requisitos. Segundo a pasta, o procedimento é concluído após inspeção escolar e análise da documentação de formação dos docentes.
Fonte: O Globo.
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