Há muitas e boas razões para justificar a gratuidade da educação e do acesso a muitos outros serviços. Mas quando recursos são escassos – como é sempre o caso – é legítimo questionar a gratuidade. O critério é: quem ganha e quem perde com ela?
Em se tratando de um assunto polêmico cabem dois alertas. Primeiro, numa sociedade política os direitos definidos em lei podem ser mudados – não são direitos “naturais”, mandamentos gravados na pedra. Podem ser mudados por negociação política ou, no caso de cláusulas pétreas, por mudanças institucionais. As leis se ajustam as condições e acertos possíveis dentro de um dado momento histórico. Não há conquistas permanentes. Instituições sólidas – entre elas a opinião pública – constituem guardiões e barreiras para proteger avanços. Mas, enquanto existir liberdade e democracia, leis podem mudar.
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Segundo alerta: sabemos que nos últimos anos os sistemas de cotas abriram parcela significativa das universidades públicas para alunos de origem mais pobre. Falar de ensino pago frequentemente é confundido como uma ameaça a esses direitos. A propósito, vale lembrar que cerca de 75% dos universitários já pagam pelos estudos nas escolas particulares – exceto os beneficiários do ProUni. Ensino gratuito só existe para cerca de 25% que frequentam a escola pública. Nesse grupo insere-se, majoritariamente, pessoas de nível socioeconômico mais elevado. Se falarmos em ensino superior pago é imperativo haver provisões para encorajar e assegurar condições justas para os que não podem pagar.
Obtida a permissão para tratar do assunto, e asseguradas as garantias aos mais vulneráveis, o que justificaria a gratuidade do ensino superior? E o que justificaria o fim da gratuidade?
Primeiro argumento: se indivíduos e a sociedade ganham com isso, nada a objetar quanto à gratuidade. Mas e se o retorno à sociedade for inferior ao subsídio? E se o subsídio estiver apenas crowding out, afugentando o investimento privado e evitando que o indivíduo subsidiado não invista mesmo sem o subsídio? Esta é uma questão empírica – não é ideológica.
Segundo argumento: recursos públicos são sempre disputados entre prioridades. O aluno com curso superior é mais produtivo do que o aluno do ensino médio – isso se reflete no diferencial de salário: R$ 1.727/mês para o ensino médio e, para superior completo, de R$ 4.780: 2,7 vezes mais.
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Isso sugere duas reflexões. Primeiro, se o indivíduo ganha em média 1,2 milhões a mais ao longo de sua vida por conta do diploma superior, não seria socialmente justo ele pagar pelo benefício que recebeu? Ou não seria socialmente injusto todos pagarem para que alguém se beneficie num montante tão expressivo? Segundo – e admitindo que recursos são escassos – não seria mais interessante investir na primeira infância para que o efeito do investimento sobre a produtividade seja muito maior?
Finalmente cabe observar que existem mecanismos para proteger os mais vulneráveis e as pessoas que, por qualquer razão, não conseguem êxito no mercado de trabalho: bastaria vincular o pagamento à renda efetivamente auferida, com prazos adequados de carência e controles rigorosos para evitar abusos.
Fonte: “Gazeta do Povo”, 07/05/2019