Se a Rússia vier a invadir a Ucrânia como vêm alertando os Estados Unidos e seus aliados, haverá consequências indiretas para países que não estão envolvidos no conflito, mas que têm parcerias comerciais com os russos ou os ucranianos, apontam especialistas. O Brasil seria afetado principalmente por causa da economia, e o impacto mais significativo seria maior pressão sobre a inflação.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) está em viagem à Rússia, mas o Brasil é secundário na disputa, diz Fernanda Magnotta, senior fellow do núcleo EUA do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri). A visita oficial do brasileiro nada tem a ver com a crise internacional.
“No entanto, todos os países se afetam de alguma forma. E, de cara, há efeitos econômicos derivados de um conflito: o abastecimento de gás e uma alta de preço de combustíveis, por exemplo, que afetariam de forma muito significativa países como o nosso, onde o preço de combustíveis já tem sido, nos últimos meses, o responsável por pressão inflacionária”, aponta a especialista.
Em entrevista à GloboNews, José Márcio Camargo, economista chefe da Opus Investimentos, afirma que no ano passado o petróleo já teve um aumento de mais de 40%, e que, além disso, haveria um choque nos preços de alimentos.
Os principais produtos que o Brasil importa da Rússia são ligados à agricultura, especialmente fertilizantes. Na tabela abaixo, estão os cinco itens que o país mais comprou dos russos em 2021, em valores. Apenas um, hulha betuminosa (um tipo de carvão mineral), não é usado no solo para preparação para o plantio.
Magnotta afirma que o Brasil é muito dependente da Rússia em relação a esses insumos, e uma operação militar na Europa teria efeito direto em relação ao abastecimento de adubo e fertilizantes. “Já há algum desabastecimento em geral na economia por causa da pandemia, e no contexto de guerra isso seria agravado”, aponta.
Consequências de política externa
O Brasil pleiteou o apoio dos Estados Unidos para se tornar um membro extra-regional da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan). No conflito, o governo russo pede o fim da política expansionista da Otan e que a organização se comprometa a não instalar armas de ataque perto de suas fronteiras.
Caso houvesse um conflito militar, o país seria cobrado pelas potências em relação ao seu posicionamento —ou seja, seria forçado a assumir um lado.
“Isso implica tomar decisões em relação a quem desagradar: de um lado o Brasil é parte da aliança ocidental e há a tentativa de se chegar a um acordo comercial entre o Mercosul e a União Europeia já há uma longa data, e do outro, a China tem sinalizado uma aproximação com a Rússia”, afirma Magnotta.
Viagem de Bolsonaro
A Rússia começou a retirar algumas das tropas que faziam exercícios militares de regiões de fronteira com a Ucrânia e os soldados estão voltando para suas bases, disse o Ministério de Defesa do país nesta terça-feira (15).
Putin ainda disse que a Rússia não quer um conflito armado: “Queremos [uma guerra], ou não? É claro que não. Por isso, apresentamos nossas propostas para um processo de negociação”, afirmou.
Bolsonaro terá um encontro com o líder russo nesta quarta (16). Para Putin, a reunião é interessante para demonstrar que a Rússia não está isolada e que o Ocidente não está totalmente de acordo com a política de isolá-lo. No entanto, a crise da Ucrânia não deve ser abordada na reunião.
Ainda que não haja um agravamento da situação na Rússia, no Brasil já há algumas consequências políticas, segundo Magnotta. Com a viagem de Bolsonaro, aliados do presidente divulgaram a retirada das tropas como se o brasileiro tivesse alguma relação com isso. “A base governista vai se apropriando de fatos que não têm relação nenhuma com o Brasil para falar que o Bolsonaro pode ter papéis em coisas nas quais ele não está inserido”, afirma ela.
Fonte: “G1”, 16/02/2022
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