Um estudo realizado pela consultoria americana McKinsey & Company e exibido durante a primeira apresentação do evento Brazil at Silicon Valley, no início deste mês, traçou um panorama sobre o desenvolvimento do mercado de tecnologia do Brasil. O relatório, que foi feito antes da pandemia e não considera os efeitos do coronavírus, mostra por que o Brasil se tornou um dos principais polos de inovação e um forte candidato para abrigar mais startups bilionárias nos próximos anos.
Com dados de obtidos em uma pesquisa quantitativa com mais de 400 startups e entrevistas com mais de 50 e empresários, investidores e profissionais que atuam com regulação do mercado entre novembro de 2019 e fevereiro deste ano, a consultoria foi capaz de indicar como os investimentos externos em empresas brasileiras cresceram em ritmo exponencial nos últimos anos. Se os valores ainda estão distantes dos registrados nos Estados Unidos e na China, eles já mostram que o Brasil pode ser tão competitivo quanto Israel, considerado um dos principais mercados de tecnologia do planeta.
Com mais startups com valores de mercado que superam os oito dígitos e, por isso, podem ser consideradas unicórnios, o Brasil ultrapassou Israel no número de empresas de tecnologia que já valem mais de 1 bilhão de dólares. Por aqui, 13 companhias se tornaram unicórnios até 2019. São elas: 99, Arco, Ascenty, Ebanx, Gympass, iFood, Loft, Loggi, Nubank, PagSeguro, QuintoAndar, Stone e WildLife. São 8 em Israel e 12 na Alemanha. Na frente do Brasil estão países como Índia (23), Reino Unido (24) e China (100), além dos Estados Unidos com mais de 200 startups bilionárias.
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Conforme mostra o estudo, as startups brasileiras estão se tornando bilionárias em um espaço de tempo menor. Primeiro unicórnio brasileiro, o PagSeguro conquistou o rótulo em 2016 após 12 anos de operação. Stone, Gympass, 99, QuintoAndar e Ebanx levaram menos de 7 anos para conseguirem. A Loft, que atua no mercado imobiliário com a reforma e venda de imóveis, precisou apenas de 8 meses para atingir a avaliação privada de 1 bilhão de dólares, conquistada em 2018.
Parte desse sucesso se dá por conta de uma diminuição no tempo que essas empresas levam para terem 1 milhão de clientes em seus negócios. Enquanto a Nubank precisou de 40 meses para se consolidar no mercado desde que foi lançada, em 2014, o rival C6 Bank, criado em 2019, necessitou apenas de um semestre para ultrapassar a marca. Outros players também superaram o Neon, que já vale mais de 10 bilhões de dólares, nesta corrida. O banco Neon levou exatos dois anos, 24 meses. O Next, 23 meses. O banco Inter precisou de 34 meses e o Banco Original atingiu a marca em 38 meses.
O sucesso dessas operações só foi possível graças à enxurrada de dinheiro que foi aportada pelas companhias como forma de escalar suas operações. Um dos maiores investidores é o banco japonês Softbank, que criou um fundo de 5 bilhões de dólares para investir em negócios promissores da América Latina. Em entrevista para a EXAME em 2019, Masayoshi Son, que comanda a empresa e já investiu mais de 100 bilhões de dólares em gigantes como Alibaba, Uber, WeWork, entre outras, afirmou que a região representava “uma grande oportunidade para se associar a empreendedores talentosos em mercados historicamente com falta de capital e de ambição”.
Mas é de se ponderar que a paciência de investidores como Masayoshi Son com startups deficitárias pode estar chegando ao fim. Conforme reportagem publicada na última edição da revista EXAME e ao que estudos indicam, o fim da farra de empresas endinheiradas, mas que não apresentam um plano de negócios que possa se sustentar em pé não será uma tendência a ser seguida na próxima década. Os casos recentes de empresas como Uber e WeWork mostrara aos investidores que não basta uma ideia revolucionária, é preciso que os empreendedores tenham em mente como farão para que aquela ideia seja, no fim das contas, rentável.
No Brasil, conforme mostra o relatório da McKinsey, houve um aumento considerável no valor e na quantidade de aportes em empresas de tecnologia durante a última década. Até 2012, apenas 60 milhões de dólares haviam sido investidos em startups brasileiras por esses fundos de investimento. A cifra se multiplicou por 10 nos anos que se passaram até 2017. Em 2018 os investimentos de venture capital já representavam 1,5 bilhão de dólares ou 0,07% do PIB brasileiro. No ano seguinte, 2,4 bilhões de dólares e 0,12% do PIB.
O valor de 2,4 bilhões de dólares, porém, ainda representa somente 1,87% do investimento de venture capital que as startups americanas receberam até 2019. A cifra americana de 128,3 bilhões de dólares é também esmagadoramente maior do que a registrada em Israel, com 3,9 bilhões de dólares e quase três vezes maior do que a registrada na China: 46,4 bilhões de dólares. Em relação ao percentual do PIB, o valor americano equivale a 0,6%. É maior do que o percentual de 0,33% da China e inferior aos 0,99% de Israel.
Do investimento que chegou ao Brasil nos últimos anos, cerca de 40% foi destinado para as fintechs. As startups do segmento financeiro receberam 935 milhões de dólares em 62 rodadas de captação. Empresas dos setores imobiliário e de recursos humanos captaram por volta de 350 milhões de dólares, enquanto companhias que atuam com mobilidade, como transporte de passageiros, receberam 279 milhões de dólares. As healthtechs, que agora estão na mira dos investidores por conta da crise do novo coronavírus, receberam apenas 43 milhões de dólares em 24 negócios realizados.
O cenário é promissor também para quem está começando a montar um negócio. Segundo o estudo, 54% das startups brasileiras são fundadas inicialmente graças a investimentos feitos pelo próprio fundador ou por aportes realizados por familiares ou amigos. Entre 2010 e 2019, o investimento-anjo realizado em startups aumentou 2.700%, de 4 milhões para 112 milhões de dólares. O valor já representa quase metade da cifra recebida em Israel: 271 milhões de dólares. Mas é ainda 86 vezes menor do que o montante aplicado em companhias nos Estados Unidos: 9,6 bilhões de dólares.
Além dos investimentos de anjos e de firmas venture capital, o Brasil também viu primeiras startups estrearem nas bolsas de valores dos Estados Unidos. É o caso de Stone, Arco, PagSeguro e XP, que realizaram seus IPOs em 2018 e 2019. No momento de publicação desta reportagem e com exceção da Arco, todas estavam com ações negociadas abaixo do valor inicial registrado em suas aberturas de capital. A queda, porém, leva em consideração uma depreciação global do mercado por conta dos impactos econômicos gerados pela pandemia do novo coronavírus.
No caso da Arco, que atua com educação, as ações terminaram o pregão de segunda-feira (12) negociadas a 54 dólares cada, 136% maior do que o registrado ao fim do IPO feito em outubro de 2018. Os papéis da companhia são negociados na Nasdaq e a empresa já está avaliada em 2,97 bilhões de dólares. Com a crise do covid-19, as ações chegaram a cair 37,46 dólares por cada ativo, no último 3 de abril, mas depois se recuperaram.
Se não afetou tanto os negócios da Arco, o coronavírus promete ser um golpe em cheio no mercado como um todo. Segundo um estudo realizado pela Liga Ventures com 234 fundadores e diretores de startups. Mais da metade das empresas presenciou queda superior a 50% no faturamento devido aos impactos da pandemia nos negócios. Uma estimativa recente produzida pelo Crunchbase aponta que 2020 deverá ser um ano de queda no investimento de capital de risco em companhias de tecnologia. Em 2019 o setor movimentou 294,8 bilhões de dólares.
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Longo caminho
O Brasil pode estar se tornando o país das startups, mas ainda há uma longa jornada até que este seja, de fato, um polo tecnológico global que possa competir de frente contra potências como Estados Unidos e China. Mesmo com o crescimento das startups, pouca coisa mudou quando o assunto gira em torno das maiores empresas brasileiras. As últimas crises econômicas e a instabilidade política e a forte desvalorização cambial podem ter atrasado o desenvolvimento da economia nacional.
Em 2010, o valor de mercado das 10 maiores empresas brasileiras com capital aberto somava 884 bilhões de dólares. A cifra caiu para 242 bilhões de dólares em 2015 e terminou a década em 592 bilhões de dólares. Não há empresas de tecnologia em nenhuma das listas. Também houve pouca mudança nos rankings das empresas mais valiosas do país entre 2010 e 2019. Petrobras, Vale, Itaú, Ambev e Bradesco mantiveram-se na liderança, apenas com algumas mudanças de posições entre elas. A Petrobras continuar em primeiro lugar, mesmo com uma queda de valor de mercado de 228 bilhões para 101 bilhões de dólares.
Para efeito de comparação, as dez maiores empresas de capital aberto da China passaram a ter valor de mercado somado de 2,6 trilhões de dólares em 2019, o dobro do registrado em 2010. O cenário é mais desolador quando comparado o Brasil é colocado ao lado dos Estados Unidos. Lá, a cifra passou de 1,8 trilhão de dólares em 2010 para 7 trilhões de dólares. A evolução do valor de mercado americano se deu pelo crescimento e consolidação de negócios de empresas de tecnologia. Ao fim do ano passado, Apple, Microsoft, Alphabet, Amazon e Facebook dominam as primeiras posições da lista. Em 2010, o top 5 contava com companhias como ExxonMobil, Berkshire Hathaway e General Electric.
O Brasil também não conseguiu colocar nem ao menos uma empresa de tecnologia entre as dez mais valiosas do mercado nacional, mesmo com avaliações altas de companhias como a XP, que terminou o ano avaliada em 21,3 bilhões de dólares. “Para o Brasil evoluir na nova era, as empresas de tecnologia e as startups brasileiras precisam prosperar”, afirmou Nicola Callichio, membro do conselho da McKinsey. O valor de mercado das 10 maiores empresas de tecnologia do Brasil triplicou entre 2010 e 2019, passando de 27 bilhões para 86 bilhões de dólares. Há esperança.
Fonte: “EXAME”