O ministro Paulo Guedes tem uma capacidade de comunicação pouco vista em chefes da pasta da Economia, o que é importante ingrediente para o debate público avançar. Merece reconhecimento o esforço para explicar temas como privatizações e redução da rigidez orçamentária, e os alertas quanto à necessidade de rever políticas públicas, como o Sistema S e a Zona Franca de Manaus.
Em entrevista ao Valor Econômico, o ministro desabafou: “O Estado brasileiro quebrou”. Melhor mesmo deixar isso claro. É essencial a sociedade compreender que o esforço fiscal comprometerá parte relevante da agenda econômica nos próximos anos. A visão de que a reforma da Previdência resolveria o rombo fiscal é equivocada. A agenda de eliminação de renúncias tributárias e corte de despesas obrigatórias mal começou e não há espaço para redução de impostos.
Guedes (felizmente) reafirma o compromisso com a manutenção da regra do teto – gastos públicos não podem crescer além da taxa de inflação – e demoveu o presidente Bolsonaro da ideia de flexibilizá-la. Uma vez que os gastos com a Previdência, que representam mais da metade do orçamento federal, vão continuar crescendo mais do que a inflação nos próximos anos, mais ações para corte de despesas serão necessárias.
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O ministro pretende reduzir a rigidez orçamentária, em linha com os alertas do secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, que aponta que 70% do orçamento da União está vinculado ao comportamento da inflação. Isso requer reformas constitucionais, e o governo começou a tocar no assunto ao sinalizar com uma reforma administrativa que, entre outras iniciativas, deverá prever o fim da estabilidade para a maioria dos servidores públicos entrantes. Esse é, sem dúvida, um tema essencial para o debate público.
Sinaliza-se também um programa de privatizações e a venda de ativos como forma de reduzir a dívida pública. No primeiro caso, não é algo para já, até porque depende de aprovação do Congresso. Além disso, não houve detalhamento do que será feito, mas apenas uma lista de intenções. Apesar de Guedes falar em fast-track para privatizações, cada empresa precisará ser analisada isoladamente, por suas especificidades. Há empresas que deveriam ser simplesmente liquidadas. Importante mencionar que a decisão de privatizar deve visar em primeiro lugar a busca de eficiência da economia, ainda que riscos fiscais devam ser considerados.
No segundo caso, de concessões e venda de ativos, a agenda já está em curso, mas o impacto fiscal é limitado às concessões de infraestrutura, que geraram receita de R$ 5 bilhões no acumulado do ano até julho. A venda de ativos das empresas estatais, como o controle da BR Distribuidora pela Petrobrás, não gera receita à União.
Nem tudo são flores. A promessa de zerar o déficit público este ano não vingou e, a julgar pelas últimas notícias, pressões de curto prazo estão também moldando as decisões do ministério. Discute-se artifícios para facilitar o cumprimento da regra do teto, como o fim da multa extra de 10% sobre o FGTS, o que liberaria R$ 5,6 bilhões de gastos, a transferência de R$ 9,3 bilhões do salário-educação para Estados e municípios e a desvinculação de R$ 12 bilhões de fundos específicos do governo federal. Como aponta o analista da XP Victor Scalet, estas não são medidas de ajuste fiscal.
Também chama atenção a demora na definição da reforma tributária, como para sepultar uma nova CPMF. Mais uma fonte de incertezas no quadro econômico. É inevitável a leitura de que se busca algum aumento da carga tributária.
O quadro dramático das contas públicas exige ações concretas com divulgação das propostas de reformas. A da Previdência será em breve página virada e não se pode perder a “janela reformista” do primeiro ano de governo. E não basta enviar as matérias ao Congresso. São necessários o diálogo e a negociação entre vencedores e perdedores de cada reforma proposta. Hora de colocar a bola no chão.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 12/9/2019