Causou comoção nas redes sociais o relatório “Um ajuste justo” do Banco Mundial sobre eficiência do gasto público no Brasil, solicitado em 2015 pelo governo Dilma Rousseff e divulgado na semana passada. Entre as medidas propostas para melhorar a qualidade do gasto, estava a cobrança de mensalidades em universidades estatais. A ideia implícita na proposta é que o ensino superior estatal, responsável por apenas 25% das matrículas, atende aos mais ricos da população, que poderiam muito bem pagar pelo serviço. Nesse artigo detalhamos a questão.
Em primeiro lugar, é preciso entender que a educação superior não pode ser considerada um bem/serviço público, pois não atende duas condições básicas relacionadas a tais bens: a) o custo adicional por um indivíduo a mais se beneficiar do bem ser zero; b) ser muito difícil (senão impossível), excluir uma pessoa que esteja interessada em se beneficiar do bem. A iluminação de uma rua pode ser considerada um bem público, pois pouco importa se cem ou duzentas pessoas a utilizam: não há custo adicional por pessoa para prover a mesma. Além disso, é muito difícil excluir alguém de se beneficiar de tal iluminação. Se não é um bem/serviço público, não deve ser financiado com impostos.
Isso dito, um ponto bastante citado entre os defensores do ensino superior gratuito é o de que o mesmo geraria externalidades positivas para o desenvolvimento econômico. Há, entretanto, um problema grave com essa tese. A forma de avaliar o impacto social da oferta de um determinado bem/serviço é comparando custos com benefícios. Se os benefícios para a sociedade forem maiores do que os custos, faz sentido investir em um determinado bem/serviço. O problema é que os benefícios do ensino superior são, em sua maioria, privadamente apropriados, dado um maior prêmio salarial auferido após a conclusão do curso.
Já que não é um bem público e os benefícios gerados pelo mesmo são, em sua maioria, privadamente apropriados, não faz o menor sentido financiar o ensino superior com recursos públicos. Fazê-lo para apenas um quarto das matrículas nesse segmento gera ao menos três problemas. O primeiro é que perpetua a desigualdade entre ricos e pobres. Enquanto aqueles se preparam em escolas básicas caras, tendo acesso às universidades estatais gratuitas, aos pobres restam as universidades privadas e os programas de financiamento.
O segundo problema é que isso limita as estratégias das universidades privadas. Como os alunos de maior renda conseguem as vagas das universidades estatais gratuitas, às privadas resta competir via preço pelos alunos mais pobres. Salvo, naturalmente, as exceções de praxe. O terceiro problema é que ao gastar R$ 22 mil em termos per capita no ensino superior, sobra menos dinheiro para investir em educação básica, onde estão concentradas as externalidades para o desenvolvimento econômico. Hoje, o Estado brasileiro gasta quatro vezes mais com ensino superior do que com ensino básico. Entre 1933 e 1983, por suposto, a relação chegou a 62 vezes, quando comparamos o gasto com ensino superior e com ensino fundamental, mostrando uma prioridade indevida em termos de externalidades sociais, o que ajudou a aprofundar nossa desigualdade de oportunidades.
O financiamento indevido de um bem que não é público, tendo seus benefícios apropriados de forma privada, em sua maioria, causa enormes distorções sobre o tecido econômico e social. Logo, faz todo o sentido dissociar gratuidade de acesso ao ensino superior estatal, fazendo com que os mais ricos paguem pelo serviço. Aos mais pobres, que não podem pagar, continuaria sendo dada a opção de gratuidade. Além de aliviar os cofres públicos, isso geraria maior competição entre as instituições, melhorando o serviço por elas prestado. Não há, portanto, nenhum demérito na recomendação do Banco Mundial. Muito pelo contrário: é preciso mesmo parar de usar o Estado para financiar os mais ricos, em detrimento dos mais pobres, os que mais pagam, proporcionalmente, impostos no país.
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