A nação assiste esperançosa à evolução do quadro político, que tem vários desfechos possíveis. Os impactos serão negativos, mas fracos no setor não financeiro, como mostram as cotações do dólar, do risco país e da bolsa de valores após o acirramento da turbulência em Brasília. Há inquietação, mas a percepção geral é de que o Brasil terminará o ano no azul e o ajuste fiscal e as reformas previdenciária e trabalhista avançarão.
A conjuntura é favorável para a economia brasileira. Os mercados mostram preços de commodities em alta, fluxos financeiros internacionais abundantes, espera-se uma superssafra este ano, um superávit comercial volumoso, despesas do governo sob controle, inflação em queda e a taxa de juros básica está sendo reduzida com segurança e sem artificialismos.
É intrigante que, com a melhora do quadro, desde a mudança de governo, as projeções de crescimento para este ano caíram pela metade. É fato que a incerteza política atrapalha um pouco, mas não explica porque com um ambiente tão favorável, o país não decola. Projeta-se um crescimento da ordem de 2% nos próximos anos, muito pouco se considerado o potencial do país.
O motivo mais forte que trava a retomada da economia é o entulho inflacionário. A origem das dificuldades está em que o Plano Real acabou com a hiperinflação, mas desde então não foram feitas as adequações necessárias na intermediação financeira.
No primeiro semestre de 1994, os juros chegaram a superar os 12.000% ao ano, mil vezes mais do que hoje. Na ocasião, taxas elevadas eram necessárias para preservar a moeda nacional, evitar a dolarização da economia, manter a solidez dos bancos e salvar a poupança nacional. O modelo de negócios da intermediação foi vencedor no ambiente inflacionário.
A questão é que a realidade mudou e o sistema financeiro não. Prazos curtos, taxas altas, tabelamentos, múltiplos índices e horizontes reduzidos fazem com que sua contribuição para o crescimento atual seja negativa. Inviabilizando uma retomada vigorosa.
A sequela são quase cinco milhões de empresas, mais da metade do total, que têm anotações por atrasos em pagamentos. Isso restringe sua capacidade operacional por dificuldades para comprar insumos, dar prazo a clientes, pagar salários e obter financiamentos. Dessa forma, vendem ativos, minimizam estoques, reduzem custos e em alguns casos dispensam pessoal. Já são mais de 14 milhões de desempregados.
O problema é grave e tem externalidades negativas fortes. Uma empresa que fecha causa um impacto financeiro negativo em fornecedores e funcionários que se propaga pela economia, o efeito dominó da inadimplência. A origem dos problemas começa no setor bancário e depois se alastra.
Há duas saídas para essa situação. Uma é a que está sendo adotada: mais do mesmo. Tudo continua praticamente igual, o sistema financeiro absorve aos poucos a inadimplência e só começa a dar uma contribuição fraca para o crescimento do PIB daqui a algum tempo. Mais do mesmo vai resolver, mas com crescimento dissipado, e um potencial menor para os bancos e o país.
A outra é mudar, o que traria resultados polpudos rapidamente. A mudança proposta tem dois componentes. O primeiro, o mais difícil, é reconhecer que o quadro institucional e o modelo de negócios do período da inflação alta são inadequados para o Brasil de hoje. Sem essa percepção não é possível qualquer transformação. É necessário o convencimento de que é uma forma ineficiente de intermediar recursos que faz com que a relação crédito/PIB seja baixa e o custo elevado, mais de 10% do PIB são drenados para pagar juros e amortizar dívidas bancárias.
O outro componente é remover o entulho inflacionário do sistema financeiro. Leia-se ajustes em bancos oficiais, crédito direcionado, moeda remunerada, indexação, liquidez, tributação e inadimplência, transparência, câmbio e concorrência.
A imprevisibilidade na evolução da inflação e dos juros induziu à criação de linhas de créditos direcionadas e instituições de crédito oficiais. O sistema operava em prazos curtíssimos e o dinheiro perdia valor aceleradamente. O que justificava a tributação de créditos e uma carga fiscal onerosa no ativo dos bancos, que tinham lucros extraordinários com a retenção de dinheiro. A moeda remunerada era necessária para evitar a dolarização.
A multiplicidade de indexadores no sistema financeiro é bizantina. Antes do Plano Real, se justificava, pois as diferentes medidas de inflação num mesmo mês variavam em alguns pontos percentuais, dependendo do setor, o que impunha o uso de múltiplos índices, para proteger os agentes de perdas reais.
O estancamento da liquidez com compulsórios elevados, a inoperância do redesconto e exigências de caixa alta eram uma forma de limitar o lucro inflacionário das instituições financeiras que era apropriado pelo governo. A inadimplência, em função da perda do valor real das dívidas, era solucionada depois de um tempo e tinha externalidades negativas baixas. O que justificava taxas exageradas de juros por curtos períodos de tempo.
Não é mais o caso. O que ajudou a economia brasileira a atravessar tempos difíceis com méritos, hoje é um peso que tem que ser removido para que o Brasil volte a crescer.
A agenda é extensa e um primeiro passo foi dado no BNDES, onde se registram avanços e são esperados mais com o novo presidente, Paulo Rabello de Castro. Mas resolvendo tudo lá e não no resto, os problemas continuarão.
Há muito mais a ser feito, como mudar o ônus tributário dos financiamentos para as aplicações, usar um só índice de inflação, o IPCA, reduzir e racionalizar a parafernália que é o crédito direcionado, não usar mais o estancamento de liquidez como imposto, reestruturar dívidas, acabar com a moeda remunerada, melhorar a transparência, aprimorar a concorrência, enfim, mudar o paradigma da intermediação. Os resultados aparecerão rapidamente.
Fonte: “Valor econômico”, 02 de junho de 2017.
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