Após exitosas décadas de capitalismo globalizado, o mundo passa por um importante processo de reestruturação geopolítica. Objetivamente, a crise de 2008 marcou o triunfo do mercado sobre a soberania das nações, escancarando uma vasta gama de relações espúrias entre o capital e o poder. É claro que isso não nasceu hoje nem terminará amanhã; a questão é que, quando a ética e a decência abandonam a vida pública, o mercado perde o seu lastro de honra. E, assim, a aplicação de mecanismos de urgência monetária salvou o negócio de muitos barões, mas veio a fulminar o nuclear princípio concorrencial do liberalismo econômico e sua inerente seleção natural por destruição criativa. No final, prejuízos privados foram socializados com a indevida tutela de negócios corroídos pela ganância do ilícito.
Sem cortinas, desde o atentado ao World Trade Center, a política externa americana entrou em parafusos; para não demonstrar sinais de fraqueza, o então governo Bush acabou por inventar uma guerra no Iraque, atropelando o Conselho de Segurança da ONU. Ora, quando se plantam guerras, apenas se colhe violência. Dito e feito. A morte de Saddam Hussein, além de não resolver o dramático problema do terrorismo, desestabilizou o Oriente Médio, fazendo surgir uma série de belicosas revoltas internas, associado a um sentimento crescente de antiamericanismo.
Concomitantemente, a China foi se estabelecendo como peça central nos jogos do mercado, criando relações comerciais globais como o principal player dos Brics. Na outra ponta, o processo de consolidação europeia, capitaneado pela Alemanha, foi perdendo consistência e coesão interna, chegando, agora, a uma sintomática instabilidade interna com o Brexit. Para agravar a situação, a candidatura de Marine Le Pen, se vencedora, poderá impulsionar a saída da França, desfazendo aquilo que a sabedoria superior de Stefan Zweig uma vez imaginou como os “Estados Unidos da Europa”.
Sim, o mundo pulsa em uma época de incertezas.
No vazio das convicções, vemos o ressurgir de uma retórica política loquaz, mas despida de razão suficiente. A demagogia salvacionista, mais uma vez, surge no sinuoso curso do caminho democrático. Retóricas inflamadas podem fazer maiorias eleitorais eventuais, mas não criam consensos governamentais mínimos. Governar é muito mais complexo do que dizer palavras que as pessoas querem ouvir. Logo, não esperem bons governos de papagaios falantes. Por tudo, se não quisermos repetir os erros do passado, teremos que lembrar a crueza da História. Todavia, terá uma sociedade rasa e imediatista condições de refletir criticamente sobre o ontem e fazer do presente a oportunidade de um amanhã mais civilizado?
Fonte: “O Estado de Minas”.
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