Uma tributação bem desenhada é um instrumento poderoso de política econômica para induzir investimentos, criar postos de trabalho e melhorar a distribuição de renda. Quando está mal concebida, causa efeitos perversos que podem ser evitados.
A proposta do Executivo enviada ao Congresso Nacional propondo a substituição das contribuições de PIS e Cofins pela Contribuição Social sobre Bens e Serviços (CBS) é um manifesto de querer melhorar. Cria a oportunidade para propor aprimoramentos e eliminar distorções na tributação de operações de crédito.
Uma primeira proposta que sugiro é corrigir o equívoco de confundir juros com bens e serviços. Juros, aluguéis, lucros e salários são remunerações aos fatores de produção. São rendas de aplicadores, proprietários, empresários e trabalhadores. É fato consolidado na teoria econômica e na tributária. Tecnicamente, chamar de receita, ou de qualquer outro nome, não muda em nada suas características. Serviços bancários são serviços e devem ser tributados como serviços, e juros são juros e devem ser considerados assim.
Está sendo analisada a criação de uma contribuição sobre transações eletrônicas. Ainda sem um nome definitivo, é o retorno da CPMF. A alíquota ventilada é de 0,2% sobre cada transação. Tomando como base o ano passado e supondo que não houvesse uma monetização das operações, o valor arrecadado teria evitado o déficit primário. Do ponto de vista da arrecadação de curto prazo, é um imposto bom. É fácil de ser implantado e quase impossível de ser sonegado. Mas é, também, um imposto perverso: tira competitividade da economia, aumenta a concentração de renda, desestimula investimentos e destrói postos de trabalho. É uma besteira.
Uma besteira maior, que não está no radar das reformas, é o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) no crédito. É um caso único no mundo. Enquanto alguns países tributam fortunas, o Brasil tributa dívidas. É difícil de imaginar um imposto mais perverso do que este.
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A tributação dos juros, a CPMF, o IOF e algumas distorções do Imposto de Renda (IR) dos bancos são resultados de uma visão míope e estática da tributação. Há operações de crédito em que a participação do governo no que o tomador paga é maior do que a dos bancos. Soluções míopes de problemas fiscais no passado causaram danos duradouros na economia.
A cada aumento da tributação na intermediação, há uma elevação da taxa de juros e, consequentemente, menos crédito, menos investimentos, menos consumo e mais inadimplência. No curto prazo, a incidência desses impostos é dos tomadores de crédito. No longo prazo, é da economia brasileira, que cresce menos do que poderia.
A questão é o que fazer. É imprescindível debater o impacto da estrutura tributária no crescimento, no emprego e na concentração de renda no médio e no longo prazos. O objetivo final da reforma é aumentar o bem-estar do País; solucionar o déficit fiscal este ano é um objetivo de curto prazo, importante, mas subordinado ao objetivo final.
No debate, é necessário evitar distorções conceituais e respeitar os princípios tributários consolidados na literatura econômica. Deve-se zerar o IOF e a CBS sobre juros e abandonar a ideia de reintroduzir a CPMF. Para que a redução da tributação seja repassada ao crédito, são necessárias novas regras de classificação e de precificação de operações.
A redução da receita pode ser compensada transferindo a tributação para o exigível dos bancos. Tem méritos prudenciais. É uma prática adotada em outros países. Deve-se, também, tributar a renda fixa como renda na fonte e com a alíquota de 27,5% para todos os prazos e títulos. A renda de juros é renda, tributa-se com IR.
O País vive um momento de transformações e de reflexões. O que se está propondo é razoável, factível, mantém o nível de arrecadação, melhora a progressividade da tributação, reduz a cunha bancária, baixa os juros e torna a oferta de crédito mais adequada para ajudar o País a superar a crise.
Fonte: “O Estado de São Paulo”, 12/8/2020