Felizes são aqueles que não se submeteram as urnas em 2016. Estes tiveram a chance de acompanhar, de olhos arregalados, o interessante momento que vivemos – mesmo que ainda não tenham conseguido capturar o que está acontecendo. Diversos analistas estão cunhando sofisticadas explicações para tais fenômenos. Alguns sóbrios. Outros mais perdidos, apostando tudo em uma ou outra causa, de maneira simplista e extremada, mas bem alinhada com o ambiente que estamos vivendo.
Os mais moderados identificam causas estruturais. Entre elas, a mais importante é sem duvida a severa desilusão da sociedade com a política. Esse sentimento, entretanto, não tem nacionalidade. Ele tem sido percebido em maior ou menor grau por um grande número de países. Conseguimos detectá-lo de forma bem clara no hemisfério ocidental, povoado por democracias razoavelmente livres e abertas.
Essa desilusão parece ser fruto, primeiro, da incompetência ou incapacidade da classe política tradicional em traduzir seus esforços (em formato de políticas) em bem estar social para suas respectivas sociedades. Em segundo lugar, e talvez mais importante ainda, essa desilusão ganha proporções extremas quando a sociedade percebe que não satisfeita com seus benefícios escandalosos, a elite política ainda lança mão de uma criatividade sombria para a corrupção.
Nos últimos anos essa desilusão tem ganhado contornos mais dramáticos. Em especial, após a crise financeira de 2008. Antes da crise os anos de bonança produziram uma considerável quantidade de riqueza, que foi modestamente distribuída para a sociedade. Houve ganhos, isso é inegável. Esses ganhos foram, no entanto, distribuídos de maneira duvidosa e por certo com pouca preocupação de que haveria um amanhã. Governos gastaram tal qual uma criança quando ganha sua primeira mesada. Poucos foram comedidos, precavidos, ou tiveram o real interesse público como prioridade. A classe política deu pouca atenção à máxima dos economistas “a vida funciona através de ciclos”. Ignoraram que a bonança acabaria eventualmente, nem sonhavam o tamanho da crise que estava ao fim desse período.
O não desenvolvimento de políticas que conseguissem, de forma sustentada, elevar a qualidade de vida dos cidadãos, a falta de coragem política de encarar reformas (que foram se tornando emergenciais) e a magnitude assombrosa com a qual a corrupção penetrou no sistema, potencializou os efeitos da crise e criou obstáculos resilientes para superá-la.
A desilusão parece dar sinais que está chegando ao seu ápice.
Outsiders
É nesse contexto que surgem os “outsiders”. Em momentos de grande desilusão, quando a sociedade olha a sua volta e não vê saída para os seus problemas mais simples – pois é isso que no final realmente conta: quando se consegue trabalhar, comer, se vestir, ter um mínimo de lazer, dignidade – ela apela para extremos. Nesse momento de quase desespero, aceitamos soluções mais drásticas.
Os movimentos populistas na Europa (a esquerda e a direita), “outsiders” como PPK no Peru, alguns casos no Brasil e mais recentemente Trump nos EUA, tem mostrado o nível de desilusão da sociedade. Há uma completa descrença na política tradicional, representada em ultima análise pelos políticos de carreira e pelos partidos políticos tradicionais. A classe política tem perdido com impressionante velocidade sua representatividade. Ela está cada vez mais encastelada em suas burocracias gozando dos benefícios que eles mesmos conseguem se presentear. Com isso, cresce sua desconexão com a sociedade, até mesmo a sua capacidade de se comunicar está severamente debilitada pela falta de confiança.
Já sabíamos disso tudo, mas não demos a devida atenção. Aqui reside inclusive uma crítica a comunidade intelectual, que também, em sua maioria, tem perdido o foco. Uma boa parte assumiu o papel de legitimadores, apenas buscam (a qualquer custo) validar suas posições ideológicas em detrimento de todo o resto, legitimando inclusive os extremos. Outros se encerraram na torre de marfim e apenas falam em códigos, esses também se distanciaram da sociedade e com suas sofisticadas analises, perderam de vista os interesses mais simples dos indivíduos. De todos, devemos mirar na minoria que oferece opiniões mais equilibradas, ainda que não tão atraentes e eloquentes.
Uma boa compreensão da nossa sociedade é a chave para o desenho de uma nova política, que consiga de forma transparente e incorrupta aumentar o nível de bem estar das pessoas de maneira sustentável e digna. Até lá, devemos lidar com a transição causada pela desilusão.
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