O melhor colégio público do Rio está bem longe da Zona Sul. Fica em Paciência, na Favela do Aço, área onde milicianos estão em constante confronto com traficantes de comunidades vizinhas. O cenário de violência ao redor inevitavelmente impacta o cotidiano de alunos e professores, mas não impediu que a escola municipal Haydea Vianna Fiúza de Castro conquistasse no primeiro ciclo do ensino fundamental, em 2013, a média 8,7 no Ideb, principal indicador do MEC de qualidade do ensino.
Para obter esses resultados apesar do contexto ao redor desfavorável, a diretora Patrícia Gomes de Azevedo conta que a estratégia é não “empurrar problemas com a barriga”. Ela se refere tanto aos pedagógicos quanto aos emocionais. Aliás, numa área onde os conflitos externos ou domésticos são frequentes, o entendimento da equipe é o de que não há como separar uma dimensão da outra.
— Toda aula começa com um momento de receber, de ouvir os alunos. Acaba sendo meio terapêutico mesmo. Se houve um conflito na comunidade, a gente reforça atividades que acalmem os alunos, para que, só depois, eles estejam preparados para aprender — afirma Patrícia.
A professora Maria de Fátima da Costa, reconhecida neste ano pela prefeitura como uma das 11 melhores alfabetizadoras da rede, explica como essa abordagem acontece na prática:
— Às vezes, temos mesmo que parar de trabalhar o pedagógico para cuidar do emocional. Dar um abraço forte em cada aluno. Acalmá-los primeiro, deixá-los à vontade para que possam falar sobre o que aconteceu.
Capacitação dos professores
Essa estratégia é fruto não apenas do aprendizado cotidiano dos professores. A escola trabalha com alguns projetos específicos que preparam a equipe para lidar com crianças em situações de risco. Um deles é o Uerê Mello — desenvolvido pela linguista e filologa Yvonne Bezzerra de Mello a partir de um trabalho com crianças na Maré —, que procura capacitar os professores para amenizar traumas causados pela violência, que levam a dificuldades de aprendizado.
Outro programa adotado para trabalhar o lado emocional das crianças se chama Amigos do Zippy, criado pela Associação pela Saúde Emocional de Crianças. Numa aula acompanhada pelo GLOBO neste mês, a professora Maria Lúcia de Oliveira contava para seus alunos histórias que abordavam sentimentos comuns das crianças, e incentivava a reflexão sobre essas situações.
— Falamos de raiva, respeito, morte. Não há tema proibido. Valorizamos atitudes positivas, incentivando os alunos a se respeitarem e a buscarem falar coisas legais para os amigos — explica Maria Lúcia.
Para que os professores possam trabalhar bem com o emocional dos alunos, é preciso também que eles estejam preparados. Para isso, a escola acabou desenvolvendo rotinas para proteger todos nos momentos de crise.
— A gente procura manter os professores calmos, para que eles possam acalmar as crianças. Mas ninguém sai daqui em hora de tiroteio. Até os pais eu tranco. Botamos um DVD para as crianças, fazemos atividades de pintura. Se ficarmos calmos, o aluno não vai sentir nada. Esperamos a situação acalmar, e nos organizamos para que todos possam sair da escola com segurança — diz a diretora.
Por causa da rotina de tiroteios frequentes, a escola teve que fazer algumas adaptações. Apesar de dispor de boa área externa, o parquinho das crianças foi transferido para uma sala interna, climatizada. Foi a maneira encontrada para não expor os alunos ao risco de uma bala perdida.
Há a preocupação em trabalhar não apenas com traumas causados pela violência externa. Situações de violência doméstica também precisam ser conversadas. Há casos em que o conselho tutelar precisa ser acionado. Em outros, os professores tentam orientar os alunos a como se proteger.
— Quando percebemos que os pais são mais agressivos, a gente tenta também orientar a criança a evitar situações que possam gerar alguma reação negativa dos pais — afirma Maria de Fátima da Costa, a professora com bons resultados na alfabetização.
Para que o contexto de violência externa não afete a relação entre alunos, a escola procura ainda monitorar as crianças o tempo o todo, ajudando a evitar conflitos mesmo nos momentos de lazer. No recreio, por exemplo, em vez de os alunos ficarem completamente livres, eles são incentivados a participar de jogos e atividades com regras.
Trabalho pedagógico direcionado
O forte trabalho de apoio emocional às crianças é visto como essencial para o trabalho numa área de conflito. Mas, sem a parte pedagógica, os bons resultados não apareceriam. Uma das estratégias apontadas pela direção para explicar o desempenho é a avaliação constante dos alunos, para não deixar problemas se acumularem, garantindo o aprendizado de todos. No 5º ano do ensino fundamental, 99% de seus alunos avaliados no Ideb tinham aprendizado considerado adequado em português, segundo critérios do Movimento Todos Pela Educação. Em matemática, o percentual era de 97%.
Também há troca frequente de experiências entre os docentes, e expectativas claras do que se aguarda de cada um deles. No mural da secretaria, há cartazes afixados indicando o que é esperado, para cada turma, que os alunos aprendam ao final do bimestre.
Os professores novatos também recebem atenção especial da equipe nos primeiros meses. A escola, como tantas outras em áreas violentas, já sofreu com alta rotatividade do corpo docente. Hoje, são poucos os que trocam de colégio.
O bom clima se traduz num melhor ambiente escolar. Não há pichações, as paredes são limpas, e foram recentemente pintadas com ajuda dos pais. As salas de aula são coloridas, repletas de livros e materiais didáticos à disposição dos alunos.
— Quando o aluno chega e vê tudo bem arrumado e colorido, isso faz a diferença — conta a diretora.
Escolas com excelentes resultados em áreas de conflito são exceção, e não a regra. Mas, no caso da Haydea Vianna Fiúza de Castro, a equipe se beneficiou também da troca de experiências com escolas vizinhas, igualmente com bons resultados, casos dos Cieps 1º de Maio e Heitor Maestro Villa Lobos. A iniciativa indica que as estratégias que deram resultado numa escola conseguiram ser replicadas em outras que enfrentam as mesmas situações.
Fonte: Extra.
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