Em uma sala de aula em Itatiba, cidade no interior de São Paulo, quatro adolescentes se uniram para tentar solucionar um problema de seu dia a dia. Como tornar mais ágil a comunicação entre professores e alunos? A saída seria usar o celular, mas sem recorrer a ligações ou a programas que pudessem desviar a atenção dos usuários para assuntos de fora da escola. Definidos problema e solução, os estudantes colocaram a mão na massa. O grupo resolveu criar um programa de celular próprio para essas reuniões. “Vai ser tipo um WhatsApp escolar”, diz Roberta Mourão, de 13 anos. Ela e seus três colegas – Roberta, Sarah e Jean – integram um grupo com cerca de 400 estudantes que aprendem, na escola, princípios da programação computacional, a linguagem das máquinas.
Ensinar crianças e adolescentes a programar seus próprios jogos e softwares para computadores, celulares e tablets é uma das tendências mundiais em educação. Além de consumidores, eles passam a pensar e produzir sistemas sob medida para suas próprias necessidades. O objetivo de alfabetizar esses jovens na linguagem das máquinas vai muito além do desejo de transformá-los em programadores profissionais. Essa é mais uma oportunidade de estimular o desenvolvimento do raciocínio lógico.
O ensino da programação hoje é facilitado por programas virtuais dinâmicos e didáticos. Neles, a programação, outrora indecifrável para leigos, se dá pela associação de blocos coloridos. Cada um deles carrega códigos de comando, responsáveis por dizer ao aplicativo que será produzido como ele deverá reagir aos estímulos do usuário – vibrar, emitir sons ou movimentar personagens.
A rede municipal de educação de Itatiba, onde Roberta estuda, é um exemplo de escola que já incluiu a programação em sua grade horária. Num programa do Instituto Ayrton Senna (IAS), batizado de Letramento em Programação, 170 alunos do 6° ao 9° ano do ensino fundamental, de seis escolas da cidade, passaram a aprender a programar em março de 2015. Hoje, são 400 de 13 escolas.
Em 2016, os alunos que participaram da fase-piloto do projeto já cursam seu terceiro módulo, chamado “Tecnologia e empreendedorismo”. Para introduzir a nova etapa, o Instituto Ayrton Senna convidou, em março, alguns estudantes a participar de uma dinâmica na sede da organização, em São Paulo. Divididos em grupos, os alunos foram desafiados a pensar em aplicativos que buscassem resolver problemas da comunidade onde vivem. Dali nasceram programas para reciclagem, acessibilidade e combate à violência contra a mulher. Ao longo do semestre, os estudantes dariam continuidade aos projetos nas aulas em Itatiba, no contraturno das atividades escolares regulares.
Essa proposta é um exemplo de como aproveitar o potencial pedagógico do ensino de programação além das máquinas. Segundo Maria Elizabeth Almeida, especialista em tecnologias na educação, é importante garantir que o ensino não fique restrito à codificação de programas, mas trabalhe conceitos como liderança, respeito, ética e cidadania. “Pedir aos alunos que criem um aplicativo a partir dos problemas da sociedade é conscientizá-los sobre a realidade em que estão inseridos”, diz. “É abrir a mente deles para possibilidades de reverter essa situação”, diz Luci Mara Gotardo, professora e coordenadora do projeto Letramento em Programação na prefeitura de Itatiba.
Professores de sala e técnicos de informática das escolas de Itatiba foram – e são – capacitados pela equipe do Instituto Ayrton Senna para ministrar as aulas de programação. O objetivo da formação, porém, não é torná-los experts em ciências da computação, mas deixá-los confortáveis com as ferramentas básicas das plataformas e prepará-los para abordar os conceitos e metodologias previstos no programa. “O professor não tem de ensinar o aluno a programar, mas permitir que o aluno aprenda a programar”, afirma Adelmo Eloy, coordenador do programa no IAS. O professor vira um facilitador, preparado para instruir e direcionar os estudantes. “Em termos de habilidade para lidar com tecnologias, estudantes estão anos luz à frente dos professores”, diz Luci Mara. “Alunos são muito mais rápidos do que a gente. Aprendo junto com eles”, afirma a professora.
Fonte: “Época”.
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