Cresce o ceticismo em relação à capacidade do governo de entregar a meta de superávit fiscal. Analistas se debruçam sobre os números e concluem que cumprir a meta de 1,2% do PIB este ano tornou-se ainda mais difícil. Por este aspecto, não seria, portanto, uma meta crível.
Certamente, não por questões de credibilidade do time econômico, dada sua capacidade técnica e disposição, mas sim pelas mudanças das condições iniciais vigentes no anúncio da meta. O quadro mudou e o desafio hoje é maior do que aquele vislumbrado ao final de 2014. O quadro recessivo seria o principal entrave, prejudicando bastante a arrecadação tributária e contaminando as decisões políticas.
O que fazer? Reduzir a meta para um nível considerado crível ou insistir na estratégia?
Com o ano apenas começando e com o risco iminente de rebaixamento da nota de crédito do país, não há muita escolha. É compreensível que o ministro Levy agarre-se ao objetivo de manter e cumprir a meta, dirigindo seus esforços, não para sinalizar que ela poderá ser mudada adiante, se necessário, em função das contingências atuais, mas sim para reforçar a estratégia para o cumprimento da meta.
Mas é possível que o ministro, em breve, precise fazer uma escolha, pois é essencial que a meta seja crível, sendo que há custos para os dois lados.
O que é melhor, atingir a meta a qualquer custo, ainda que isso signifique um resultado de baixa qualidade que comprometeria os resultados fiscais futuros, pelo adiamento de despesas essenciais e pelo aumento da distorciva carga tributária, afetando o potencial de crescimento do país, ou, alternativamente, o ministro deveria aproveitar sua elevada reputação e explicitar o tamanho do desafio, de forma a viabilizar um ajuste da meta para um valor crível, mas correndo o risco de a notícia ser mal recebida, fragilizando a posição do país no curto prazo, com a piora das expectativas? Afinal, se a mudança da meta for interpretada como um relaxamento do compromisso com o ajuste fiscal, por exemplo, por conta de pressão política, as consequências podem ser graves, pois se arriscaria o grau de investimento, e o governo arcaria com o ônus do ajuste, mas não colhendo o bônus. Neste caso, qual seria a meta crível, que concilia a necessária sinalização de aperto fiscal e sua exequibilidade?
[su_quote]O fato é que, qualquer que seja a decisão, é essencial haver transparência[/su_quote]
O que deveria pesar mais na balança, objetivos de curto prazo (evitar riscos advindos da mudança da meta) ou de médio/longo prazo (garantir resultados fiscais robustos no futuro para garantir solvência de longo prazo do país)? Certamente é um balanço delicado, sendo que ambos objetivos precisam, em alguma medida, ser atendidos. Afinal, para atingirmos objetivos de médio/longo prazo, precisamos chegar vivos até lá, ou seja, não é possível fechar os olhos aos desafios de curto prazo.
Para tornar a escolha mais difícil, há fatores que podem fazer a balança pender para um lado ou outro.
Por exemplo, no caso de um quadro externo extremo, com risco de parada brusca de fluxo de capitais ou mesmo fuga de capitais, como do início da década de 80 após o choque de juros do Fed, objetivos de curto prazo tendem a ser preponderantes, pois o risco de rebaixamento da nota de crédito cresce bastante. No entanto, o ambiente externo atual, ainda que desafiador, não parece impor respostas tão rápidas e fortes, mas sim resultados fiscais sustentáveis ao longo do tempo e que não prejudiquem o potencial de crescimento nos próximos anos.
Outro fator que pode afetar o equilíbrio da balança são os choques de oferta negativos que impactam a economia brasileira, como a crise na Petrobras, a operação Lava-Jato – afetando empreiteiras e respectivos credores – e a crise hídrica. Esses choques já vêm produzindo um quadro recessivo, cujo eventual aprofundamento eleva o custo do cumprimento da meta este ano.
Por outro lado, o quadro político complexo exige maior disciplina fiscal. Uma mudança de meta poderia ser interpretada fruto de pressão política para governo mudar o rumo da política econômica, impactando a confiança dos agentes e o humor das agências de rating. De quebra, a mudança da regra poderia reduzir o empenho do Congresso para aprovar as medidas, bem como o esforço fiscal dos ministérios e dos entes sub-nacionais.
O fato é que, qualquer que seja a decisão, é essencial haver transparência. Transparência quanto ao tamanho do desafio, ao efeito das medidas anunciadas e às estratégias para conter a tendência de elevação de gastos. Esta é condição fundamental para os agentes econômicos darem o benefício da dúvida à autoridade fiscal, reforçando a credibilidade da meta, qualquer que seja.
Fonte: Broadcast, 6/3/2015
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