Ao lidarmos com a triste consciência de que vivemos uma crise multifacetada que, de certa maneira, obscurece o entendimento das agendas mais urgentes para o país, vêm à minha memória as referências à escuridão e à luz em textos religiosos de diferentes tradições. Jonathan Sacks, ex-rabino chefe da Inglaterra, retoma alguns deles, inclusive o de que tempos obscuros nos permitem ver com mais clareza a chama das velas.
A luz pode, é claro, ser traduzida a partir de uma leitura mística ou, alternativamente, como o belo ou o justo tentando sobreviver em meio a uma realidade que tudo enfeia. Mesmo em crises profundas houve quem resistiu ao espírito de época ou à depressão instalada e se empenhou por remar contra a corrente.
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Isso me faz lembrar de um pequeno movimento, em plena Alemanha nazista, a que já fiz menção nesta coluna, chamado Rosa Branca (Weisse Rose). Trata-se de um grupo de estudantes universitários que se mobilizaram contra Hitler, a partir de junho de 1942, depositando, em caixas de correio de grandes cidades do sul da Alemanha, panfletos contra o nazismo. Os panfletos condenavam a passividade da sociedade alemã e faziam apelos para que as pessoas resistissem. Foram executados em 1943, mas tiveram algum sucesso em criar grupos de resistência ao nazismo em várias partes da Alemanha. Os nomes de alguns deles ficaram registrados nas páginas da história.
Guardadas as proporções, contamos hoje também com “rosas brancas”, que trazem um pouco de luz em tempos macabros. Gente que não se deixa dominar pelo ódio instalado e ainda é capaz de empatia, que combate pelo exemplo. São pessoas que se organizam para distribuir alimentos, apoiar os profissionais de saúde ou ajudar a distribuir roteiros de estudo e chips para celulares para alunos sem acesso à internet.
Mas há também os que, em diferentes campos de atuação, se mobilizam para defender nossas frágeis instituições e assegurar direitos, inclusive o direito à educação de qualidade para todos, o que demanda financiamento adequado —leia-se um novo Fundeb— e pressupõe a formulação de políticas públicas competentes, e não bravatas ou palavras de ordem.
A saudar, neste sentido, o protagonismo das instituições que congregam secretários de Educação de estados e municípios, governados por partidos diferentes, mas ciosos de sua tarefa de garantir que, mesmo em condições desafiadoras, distantes da escola e sem a necessária coordenação nacional, todos aprendam. Mais ainda, são luz na escuridão todos aqueles que dizem, aos que os nos põem em risco de ver perpetuada a crise e o ódio, “No pasarán!”.
Fonte: “Folha de São Paulo”, 19/6/2020